Leandro Konder - uma lembrança

Alfredo Maciel da Silveira
Novembro/2017
Neste 12 de novembro completam-se três anos da partida de Leandro Konder. Nesta oportunidade torno pública uma relíquia dele que eu guardara desde 1982. Ele datilografara para mim suas anotações manuscritas sobre as esparsas e rarefeitas elaborações de Karl Marx sobre a conceituação de comunismo.
Não tínhamos maior proximidade. Talvez me conhecesse apenas de vista.
Durante uma conferência no auditório da ABI sobre o pensamento de K. Marx ele expusera sua leitura daquela conceituação em Marx. Logo me dei conta da singela e valiosíssima pesquisa de Leandro. A ele me dirigi ao final, pedindo-lhe que me desse a referência do texto. Mostrou-me que eram rascunhos à mão e me disse com imensa generosidade:
__ Seria possível a gente se encontrar lá no meu trabalho? Você podendo eu preparo melhor e bato à máquina.
Marcado o encontro fui ao seu trabalho na rua 1º de Março, em horário de almoço. Ele ainda terminava de datilografar as últimas linhas. Em seguida me entregou os originais das duas folhas (vejam as imagens, amareladas pelos anos) saídas daquelas antigas máquinas mecânicas de fita carbonada.




Dali caminhamos em direção à Av. Rio Branco sentido Candelária. Ele desabafou o tempo todo sua amargura pela crise do PCB. Naquele momento a direção do Partido estava em desacordo com a linha editorial do "Voz da Unidade", a nossa tão importante e simbólica "VU" (...que falta ela faz...), de cuja equipe Leandro participava. Crise que depois culminou na intervenção da direção do Partido e no afastamento de integrantes do grupo fundador.
Chegando à Candelária nos despedimos. Ele ainda me disse:
__ Só nos resta esperar por um novo sujeito histórico. Quem sabe o PT?...
E nunca mais nos encontramos.
Há poucos anos tive o cuidado de digitar fielmente aquele original, que sequer tem um título. Vejam a seguir.
____________________________
[Leandro Konder]
Marx nunca descreveu como seria e como deveria funcionar a sociedade comunista; ele dizia que não tinha a menor intenção de preparar "receitas para os caldeirões do futuro". Por isso, limitou-se a caracterizar o comunismo em termos bastante genéricos.
Uma das características do comunismo, para Marx, seria o desaparecimento do Estado. Desde a sua juventude, Marx via no Estado uma manifestação da "Alienação" do homem. Na Crítica do Direito Público de Hegel, Marx já escrevia: "O homem é o verdadeiro princípio do Estado; mas não o homem livre".

Na Ideologia Alemã (1845-46), Marx alertou quanto à "idealização" da sociedade comunista, escrevendo: "O comunismo não é para nós um estado de coisas a ser implantado, um ideal em função do qual a realidade deva ser organizada. Chamamos de comunismo o movimento real que supera o atual estado de coisas". Na mesma Ideologia Alemã, Marx diz que o comunismo se caracterizará pela superação da "especialização" do trabalho: "numa sociedade comunista não haverá pintores e sim, no máximo, homens que, entre outras coisas, se ocupam também de pintar".

No Manifesto Comunista (1848), Marx explica o que é, para ele, a socialização da propriedade promovida pelos comunistas: "O que  caracteriza o comunismo não é a supressão da propriedade em geral e sim a superação da propriedade burguesa". E adiante: "O comunismo não retira a ninguém o poder de apropriar-se da sua parte dos produtos sociais; apenas suprime o poder de escravizar o trabalho de outrem por meio dessa apropriação".

No Capital, Marx fala do comunismo como "uma associação de homens livres que trabalham com meios coletivos de produção e aplicam suas numerosas forças individuais de trabalho, com plena consciência do que fazem, como uma grande força de trabalho social".
Por fim, na sua crítica do Programa de Gotha, em 1875, Marx disse que valia para o comunismo a frase do socialista utópico francês Prosper  Enfantin: "a cada um de acordo com suas necessidades; de cada um de acordo com sua capacidade". Na mesma ocasião, Marx criticou as ilusões do igualitarismo, lembrando que os indivíduos são desiguais ("não seriam diversos indivíduos se não fossem desiguais") e que seria injusto sobmeter à mesma medida trabalhadores colocados em distintas situações ("um trabalhador é casado, outro não; um tem mais filhos que o outro, etc").

Convém lembrar que, na juventude, Marx custou a aderir ao comunismo porque este lhe pareceu grosseiramente "igualitário". E, nos Manuscritos de 1844, já comunista, faz questão de distinguir o seu comunismo do "comunismo grosseiro".

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4 comentários:

  1. "Marx nunca descreveu como seria e como deveria funcionar a sociedade comunista; ele dizia que não tinha a menor intenção de preparar "receitas para os caldeirões do futuro". Por isso, limitou-se a caracterizar o comunismo em termos bastante genéricos".

    Meu comentário: não existe uma receita pronta para a sociedade justa que queremos. É uma construção...

    Marx diz que o comunismo se caracterizará pela superação da "especialização" do trabalho: "numa sociedade comunista não haverá pintores e sim, no máximo, homens que, entre outras coisas, se ocupam também de pintar".
    Marx explica o que é, para ele, a socialização da propriedade promovida pelos comunistas: "O que caracteriza o comunismo não é a supressão da propriedade em geral e sim a superação da propriedade burguesa". E adiante: "O comunismo não retira a ninguém o poder de apropriar-se da sua parte dos produtos sociais; apenas suprime o poder de escravizar o trabalho de outrem por meio dessa apropriação".

    Meu comentário: visão bem diferente dos anticomunistas e de muitos supostos comunistas.

    Marx disse que valia para o comunismo a frase do socialista utópico francês Prosper Enfantin: "a cada um de acordo com suas necessidades; de cada um de acordo com sua capacidade". Na mesma ocasião, Marx criticou as ilusões do igualitarismo, lembrando que os indivíduos são desiguais ("não seriam diversos indivíduos se não fossem desiguais") e que seria injusto submeter à mesma medida trabalhadores colocados em distintas situações ("um trabalhador é casado, outro não; um tem mais filhos que o outro, etc").

    Meu comentário: Vejamos essa parábola de Jesus no de Evangelho
    De Mateus 20. 1-15 – Os trabalhadores da vinha.
    Resumo da parábola:
    Vou fazer uma pequena contextualização da parábola para se entender melhor a história.
    Na parábola, um dono de uma fazenda tem uma empreitada em sua propriedade e precisará de um bom número de trabalhadores para a realização dela. Ele sai e começa a contratar pessoas. Lá pelas 7h da manhã contrata alguns trabalhadores que deverão trabalhar das 8h às 18h. Ele combina que lhes pagará ao final do dia um denário [vamos imaginar que seja pelo valor de R$ 50,00]. Lá pelas 12h, encontra mais alguns e combina o mesmo valor pelo trabalho das 13h às 18h. Às 15h, contrata ainda alguns, para trabalhar das 16h às 18h, pelos mesmos R$ 50,00.
    No fim do expediente, o dono da fazenda vai fazendo os pagamentos e aqueles trabalhadores que começaram o trabalho mais cedo acusam o dono da fazenda de ser injusto, achando que ele deveria lhes pagar mais.
    Me parece a mesma ideia que Marx defende sobre o igualitarismo.

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  2. Caro Edmilson. Estou certo de que Leandro Konder foi buscar um K. Marx que estava em sintonia com as mais profundas aspirações humanas. Com o mais profundo humanismo. Nesse caminho claro que Marx e o cristianismo se encontram.

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  3. Hum..o texto é precioso sobretudo pela reprodução do texto original e único do Konder. Entretanto, entre Marx e Jesus (evangelhos pretendem ser guardiões de sua palavra) há distância. A mais clara em "a Cesar o que é de Cesar". Marx, político, propõe acelerar o caminho para o socialismo/comunismo através da ditadura do proletariado. Assim, tomo a análise cientifica de Marx para considerar o comunismo inexorável. O 1% das pessoas, capitalistas, que retém a quase totalidade da riqueza do mundo e com severa influência na alocação e corrupção dos recursos (a falha de Schumpeter e da mão invisível), serão expurgados pelo próprio capitalismo. Países rapidamente deixarão de existir. Não prevalecerá a nossa atual concepção de justiça. Mas uma outra ordem e justiça consentâneas com o sistema futuro comunista.

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    1. Olá Fabio. Acho que essa publicação pode alcançar vários resultados. Sinto-me muito feliz pela boa repercussão que tem tido. Um desses resultados é suscitar, como você traz, a discussão sobre o futuro do capitalismo. Guardarei suas idéias para reflexão. Agora, sobre Marx e o cristianismo - que não consta do texto mas sim dos comentários acima - aproveito para trazer uma piada, digamos, "sem sair do sério".Que o Papa é argentino e Deus é brasileiro, isso já se sabia (o próprio Papa declarou). Mas agora se sabe que Marx era cristão. Assim sendo, conclui-se que os três são comunistas...rs rs

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