Ameaçadora Sim! Mas nem “inteligência”, nem “artificial”

Há poucas semanas, com o lançamento da ferramenta ChatGPT interativa de busca e conversação, voltam à cena o encantamento e pavor com os avanços tecnológicos da chamada “Inteligência Artificial – IA”. Tratado o tema por diversos especialistas, trazemos aqui duas publicações recentes. Uma delas alusiva à entrevista do internacionalmente conhecido neurocientista brasileiro, Miguel Nicolelis à Folha de São Paulo, resumida em artigo de Victor Gaspodini (em DCM). A outra, artigo da professora Dora Kaufman (em O Globo), estudiosa do mesmo tema.

Três aspectos resumem os ensinamentos daqueles dois especialistas:

1) Tais algoritmos não são o que se tenta alardear sobre os mesmos; não são nem “inteligência”, nem “artificiais”, porquanto apenas objetos de engenharia  baseada em lógica binária; portanto incapazes de emular o cérebro humano nos sentimentos, intuições, valores, presentes no comportamento e decisões humanas; capacidades estas desenvolvidas através de milênios mediante as interações de seres vivos e seu ambiente social e material;

2) Trazem sim vários riscos e ameaças à sociedade, pois potencializam a disseminação de engodos, a inculcação ideológica de falsos “consensos” e “verdades”, como por exemplo as das pressões pela desvalorização do trabalho, supostamente condenado à sua inexorável substituição absoluta pelas máquinas; daí a necessidade da instituição de mecanismos de regulação, conforme já tem mobilizado os governos mundo afora;

3) Em desdobramento ao item dois, esconde-se a IA como potencial libertadora do trabalho humano, pela superação da atual fase histórica do capitalismo, hoje caracterizada como “Capitalismo da Informação”, em gradativa substituição do “trabalho material”, característico da era industrial, pelo “trabalho imaterial” (atividades de criação, desenho, pesquisa, inovação), gerando conhecimento socialmente disseminado, quando a apropriação privada do valor criado é diretamente do ambiente social, sem a mediação do processamento nas fábricas e unidades de produção.(Tessa Morris Suzuki, conforme  já analisado e publicado neste blog).

A seguir, os dois artigos. Mas antes um poemeto [1] .

"INTELIGÊNCIAS"

Máquina sabe, mas não sente

Jogar xadrez...

máquina aprende.

Gente sabe, gente sente

Nas dores da vez...

se aprende.

___________________________________________

“Inteligência artificial não é nem inteligente nem artificial”, diz Nicolelis

Publicado por Victor Gaspodini, em DCM – Diário do Centro do Mundo, - 8 de julho de 2023

O neurocientista Miguel Nicolelis afirmou, em entrevista para a Folha de S. Paulo, neste sábado (08), que a “inteligência artificial” não é “nem inteligente e nem artificial”. O pesquisador também fez críticas ao escritor israelense Yuval Harari, autor do livro “Sapiens”, e à ferramenta ChatGPT.

“Do ponto de vista científico, digo isso há anos, e agora Noam Chomsky usa a mesma frase, a inteligência artificial não é nem inteligente nem artificial. Não é artificial porque é criada por nós, é natural. E não é inteligente porque a inteligência é uma propriedade emergente de organismos interagindo com o ambiente e com outros organismos. É um produto do processo darwiniano de seleção natural. O algoritmo pode andar e fazer coisas, mas não são inteligentes por definição”, explica Nicolelis.

O cientista trabalha há 30 anos com redes neurais, mecanismo por trás dos atuais algoritmos de aprendizado de máquina. Referência em interfaces entre cérebro e máquina, atuou no desenvolvimento de neuropróteses capazes de restaurar movimentos do corpo. Na abertura da Copa de 2014, no Rio de Janeiro, um cadeirante chutou a bola ao gol com o auxílio de um equipamento desenvolvido por ele.

De acordo com Nicolelis, “é absurdo” afirmar que modelos de linguagem como o ChatGPT são dez vezes mais inteligentes que um ser humano. “De certa maneira, o ChatGPT é um grande plagiador, porque pega o material feito por um monte de gente, mistura e gera algo que chama de produto novo, mas, na realidade, é em grande parte influenciado pelo produto intelectual de milhares e milhares de seres humanos. Para o sistema capitalista atual, moderno, a inteligência artificial é a grande ferramenta de marketing, porque gera uma total desigualdade no relacionamento com a força de trabalho. Um patrão pode dizer: tenho um aplicativo de inteligência artificial, se o trabalhador não aceitar o salário que estou disposto a pagar, que é 10% do que ganha hoje, demito e uso o aplicativo. Existe toda uma ideologia de substituição do trabalho humano, que não pode ser feita 100%, não há como”, afirma o pesquisador.

Sobre a obra “Sapiens”, de Yuval Harari, Nicolelis diz que o escritor israelense “mistura coisas de outras áreas sem ter conhecimento profundo”. “No Sapiens, ele mistura as referências e interpreta os nossos resultados de uma maneira que não tem absolutamente nada a ver com o que fizemos. É um trabalho que gastei 30 anos da minha vida. Quando ele fala que no futuro vamos colocar essa coisa chamada interface cérebro-cérebro, que era algo experimental que fiz entre ratos, fiz entre macacos e fizemos entre seres humanos, para reabilitação. Mas não é que eu vou trocar meus sentimentos com outras pessoas. É uma troca de comandos motores, coisas apropriadas para reduzir a lógica digital. Ele fez uma interpretação disso como se eu estivesse lendo a mente de alguém, o que nunca vai acontecer. Ele fala: ‘nós vamos viver até os 200 anos’, ‘vamos acabar com o envelhecimento’. Tudo isso é fantasia”, explica Nicolelis.

 

Miguel Nicolelis pesquisou exoesqueletos que ajudam pacientes, antes em cadeiras de rodas, a dar primeiros passos. Foto: Bruno Santos/Folhapress

 _______________________________________________

 O medo da Inteligência Artificial

Os alertas encontram respaldo no imaginário popular, mas precisamos de regulação, não de alarmismo

Por Dora Kaufman*, publicado em O Globo, 22-06-2023

Desde o lançamento do ChatGPT, sucedem-se alertas sobre o “risco existencial” da inteligência artificial. Uma das mais recentes é a declaração de 22 palavras do Center for AI Safety: “Mitigar o risco de extinção pela IA deve ser prioridade global, com outros riscos de escala social, como pandemias e guerra nuclear”. Menos sucinto é o alerta de Toby Ord, considerado por muitos como novo Carl Sagan. No livro “The precipice: existential risk and the future of humanity” (2020), Ord define como “catástrofes existenciais” os riscos que ameaçam destruir o potencial de longo prazo da humanidade ou nos confinar a um mundo falido sem volta. Entre as ameaças, lista as armas nucleares, a mudança climática, as pandemias e a AGI (inteligência artificial geral, ou inteligência de máquina no nível humano).

Computador exibe imagem do ChatGPT Gabby Jones/Bloomberg

Ord fundamenta a inclusão da AGI nos riscos existenciais com base numa pesquisa realizada em 2016 entre os participantes das conferências NeurIPS e ICML: dos 21% que responderam à pesquisa, 50% creem no advento da AGI em 45 anos (a previsão dos pesquisadores americanos é 74 anos). Além de previsões de longo prazo estarem mais para ficção, o próprio Ord admite a fragilidade da pesquisa (o que a leitura dos originais confirma). Inclui a IA no rol das ameaças existenciais à humanidade com base em previsões inconsistentes, como são igualmente inconsistentes os demais alertas apocalípticos.

Inteligência Artificial: UE aprova proposta para regular IA

Esses alertas, contudo, encontram respaldo no imaginário popular moldado pela ficção científica e no medo de uma tecnologia poderosa e obscura. Entre os signatários misturam-se preocupações honestas a meras estratégias de desviar a atenção dos problemas reais ou aplicar a “doutrina do choque”, denunciada por Naomi Klein em livro de mesmo nome. Com menos repercussão, outros eminentes especialistas declaram-se céticos em relação à AGI. Precisamos de regulamentação, e não de alarmismo.

Inteligência artificial : do Brasil aos EUA, propostas de regulação aumentam o cerco às novas tecnologias

A boa notícia é que desde maio a IA está entrando na pauta dos governos. Foi tema da 49ª Cúpula dos Países Desenvolvidos; a Casa Branca se reuniu com executivos de big techs; representantes da UE e dos Estados Unidos firmaram pacto de elaborar diretrizes comuns; o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, anunciou a pretensão de promover um “pacto de IA” com o presidente Joe Biden; o presidente Emmanuel Macron promoveu sessão de trabalho com a presença de ministros-chave sobre os impactos éticos da IA e os impactos sobre a indústria, o meio ambiente e a soberania nacional.

No Brasil, em 3 de maio, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, transformou o substitutivo para instituir o Marco Legal da IA no Brasil, elaborado pela comissão de juristas do Senado, em Projeto de Lei, o PL 2.338, que precisa ser amplamente debatido na sociedade, incluindo agências setoriais e ministérios, especialistas acadêmicos, organizações da sociedade civil. O futuro não é inexorável, depende de como dirigirmos a IA para um desenvolvimento sustentável. No nosso caso, passa por incluí-la na pauta do governo Lula.

*Dora Kaufman, professora da PUC-SP e colunista da Época Negócios, é autora do livro "Desmistificando a inteligência artificial"

________________________________

[1] de Alfredo M. da Silveira

LEIA TAMBÉM NESTE BLOG:

Homo Deus Não

Supervalorização e Demonização da Inteligência Artificial

Sapiens, Harari, Marx e Engels

Seu emprego está ameaçado?


Por que não podemos conviver unidos?

Timmy Thomas (1944-2022) cantor, compositor e produtor musical norte-americano recem-falecido, destacou-se por seu sucesso mundial “Why Can’t We Live Together”, lançado em 1972, no ambiente da guerra do Vietnã. Seu apelo à paz e convivência fraterna entre comunidades e povos tem sido interpretada e gravada desde então por grandes artistas através de gerações.

Passados 50 anos, o grito daquela canção ecoa sob o espectro da guerra, do racismo, naufrágio de emigrantes, fome e exclusão social. 

Nos links a seguir, mostramos duas apresentações ao vivo, unindo gerações:

1) Steve Winwood e Carlos Santana , da "velha guarda", legendado em inglês;

2) Sade Adu, anos 80, legendado em português (na versão para computador)


Santana & Steve Winwood

Sade Adu

_______________________________

Why can’t we live together?

 

Tell me why, tell me why, tell me why.

Why can't we live together?

Tell me why, tell me why.

Why can't we live together?

 

Everybody wants to live together.

Why can't we be together?

 

No more wars, no more wars, no more war...

Just a little peace in this world

No more war, no more war.

 All we want is some peace in this world.

 

Everybody wants to live together.

Why can't we be together?

 

No matter, no matter what colour.

You are still my brother.

I said no matter, no matter what colour.

You are still my brother.

 

Everybody wants to live together

Why can't we be together?

 

Everybody wants to live.

Everybody's got to be together.

Everybody wants to live.

Everybody's going to be together.

Everybody's got to be together.

Everybody wants to be together.

 

I said no matter, no matter what colour.

You're still my brother.

I said no matter, no matter what colour.

You're still my brother.

 

Everybody wants to live together.

Why can't we be together?

 

Gotta live together...

Together

_________________________

Ver também: Santana - Brotherhood