Previdência com mão de gato?


Argumentos Secretos

Cesar Benjamin
22/04/2019
Além de ser possivelmente ilegal, pela Lei de Acesso a Informação, é afrontosa à sociedade e ao Parlamento a decisão do governo de considerar sigilosos os estudos e cálculos que embasaram a proposta de reforma da Previdência.
O Congresso Nacional deveria interromper imediatamente a análise da proposta do governo, até que esses estudos, se existem, sejam apresentados. Afinal, como os parlamentares podem votar algo que altera tão profundamente a vida da sociedade sem conhecer os motivos da mudança?
É difícil encontrar explicações para um comportamento tão acintoso. Ocorrem-me duas, como especulações:
1. Os estudos são pífios, feitos em papel de padaria, como Paulo Guedes gosta. O trilhão, que ele anuncia, não existe.
2. O governo sabe que, nos termos da Constituição em vigor, não pode demonstrar a existência de déficit no Regime Geral (RGPS), o que mela o jogo.
Seja como for, a sociedade não pode aceitar uma reforma da Previdência feita com base em argumentos secretos.
O princípio, aqui, deve ser justamente o oposto: máxima publicidade para que haja debate.
A arrogância desses economistas engravatados, que servem ao capital financeiro, só é proporcional à sua ignorância.
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Nota dos Editores de “Democracia e Socialismo”

Seguindo os passos da proposta do governo Temer/Meirelles para a Reforma da Previdência, o novo governo radicalizou-a nos interesses do grande capital, mormente o financeiro. Este último escândalo de o super ministro Paulo Guedes recusar abrir os cálculos, os números (se é que os há), por detrás de seu Projeto de Reforma, culmina a tentativa de embaralhar as cartas, confundir as relações de causa e efeito e a hierarquia dos problemas.
Começaram por dar relevo às conseqüências do envelhecimento da população sobre os gastos da Previdência, imputando-lhe assim a vilania causadora do Déficit Público, definido, este, ao modo de esconder os juros da dívida pública. Depois por confundir as finanças da Previdência com a da Seguridade Social, conceito este muito mais abrangente. Além disso, por estabelecer a deliberada confusão entre o Regime Geral de Previdência Social, RGPS (trabalhadores regidos pela CLT, autônomos etc), e o Regime Próprio de Previdência Social, RPPS (do funcionalismo público, aqui incluídos os deputados, magistrados, os militares, etc).

Somando-se a esta nova manifestação de Cesar Benjamin agora sob calor do escândalo da ocultação dos números, é oportuno trazer seu estudo de 2016, que nos ajuda a desembaralhar as cartas, a esclarecer o emaranhado proposital dos problemas, trazendo à luz e ao debate o que até mesmo a grande mídia trata de esconder.
Segue uma versão resumida daquele estudo, limitada a pontos em destaque.
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Déficit ou Superávit?*

Cesar Benjamin

Para avaliar a urgência e a natureza das mudanças necessárias, precisamos verificar o problema do déficit atual. Como vimos, é um assunto polêmico. Para dar transparência às contas públicas, a Constituição estabeleceu que o governo deve apresentar anualmente três orçamentos distintos: o fiscal, o de investimento das estatais e o da Seguridade. Isso nunca foi implementado, o que dificulta muito essa discussão. Os orçamentos fiscal e da Seguridade têm sido misturados, de modo que os números não são transparentes.
Para complicar ainda mais, a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, criou o Fundo do Regime Geral de Previdência Social, que passou a centralizar os recursos destinados a pagar os benefícios do RGPS. Ele é a principal referência dos dados que saem na imprensa. O problema é que esse fundo ignora os dispositivos constitucionais, seja por separar Previdência e Seguridade, seja por considerar que são do Tesouro várias receitas que a Constituição instituiu como  próprias da Seguridade.
A legislação infraconstitucional atropelou a Constituição, ignorando o amplo mecanismo de financiamento estabelecido em 1988. Na contabilidade apresentada à opinião pública, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Cofins e os recursos arrecadados pelos concursos de prognósticos (apostas) são considerados receitas do Tesouro. A participação da União no financiamento da Previdência é ignorada. Somente as contribuições de empregados e empresas que incidem sobre a folha de salários aparecem como receitas próprias do sistema. Além disso, juntam-se receitas e despesas do RGPS e do RPPS, que, como vimos, são instituições diferentes, uma gerenciada pelo INSS, outra pelo Tesouro Nacional. O RGPS, como o nome diz, é um regime geral, enquanto o RPPS é um regime fechado, que não integra o sistema da Seguridade Social. Essa segunda confusão lança sobre a Previdência pública encargos que não são seus (Figura 1).

Com receitas comprimidas e despesas expandidas, a Seguridade aparece como deficitária. Para cobrir esse déficit, parte dos seus recursos retorna a ela, mas sob a rubrica "transferências da União". Assim, ela se torna responsável por grande parte da crise fiscal A pesquisadora Denise Gentil, da UFRJ, dedicou-se a montar o orçamento próprio da Seguridade, tal como previsto na Constituição, e mostrou que ele tem sido superavitário, ano a ano (Figura 17). É o orçamento da Seguridade que sustenta o orçamento fiscal, ela diz, e não o contrário.

A raiz do atual desequilíbrio financeiro do setor público precisa ser procurada em outro lugar: nas despesas com juros, nos custos da acumulação de reservas internacionais, nas operações de swaps realizadas pelo Banco Central e assim por diante. A "construção do déficit" passa também pela Desvinculação das Receitas da União e pela política de isenções tributárias.
No primeiro caso, o governo confisca 30% dos recursos arrecadados pelas contribuições sociais e os usa livremente para cobrir outras despesas, inclusive o pagamento de juros e as amortizações da dívida pública. Isso contraria frontalmente o artigo 167 da Constituição, que diz o seguinte: "São vedados: [...] XI. A utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do Regime Geral da Previdência Social."
O segundo caso é ainda mais incompreensível. Entre 2011 e 2015, as renúncias fiscais que diminuem os recursos da Previdência cresceram em ritmo bem maior que os próprios gastos previdenciários. Só em 2015, R$ 157,6 bilhões (2,75% do PIB) das contribuições sociais sofreram desonerações (Figura 18). Isso tem sido feito em troca de nada, pois os investimentos das empresas continuam muito baixos.

Não é contraditório que o governo anuncie um grande déficit na Previdência e, ao mesmo tempo, desvie recursos dela e abra mão de arrecadar parte dos tributos que deveriam financiá-la?
Quando vemos as coisas de modo mais abrangente, essa contradição se amplia, pois a reforma da Previdência, tal como vem sendo defendida, integra um pacote de medidas que inclui a flexibilização da legislação trabalhista, com aumento das terceirizações de mão de obra, o que desfavorece ainda mais o equilíbrio do sistema previdenciário.
O aumento do desemprego e da informalidade, que é um subproduto de uma política econômica causadora de recessão, também agrava os problemas da Previdência, pois diminui a arrecadação e aumenta a demanda por gastos assistenciais.
Além disso, esses trabalhadores que hoje param de contribuir receberão benefícios adiante, quando se tornarem idosos.
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(*) Resumo extraído do estudo de Cesar Benjamin, “Previdência social – o Brasil precisa de uma alternativa” publicado originalmente em “Boletim conjuntura Brasil, Fundação João Mangabeira, novembro 2016.


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É Onze-ou-Oitenta


"Onze tiros e não sei por que tantos
Esses tempos não tão pra ninharia
Não fosse a vez daquele, um outro ia".

Onze Fitas 

(Fátima Guedes)

Por engano, vingança ou cortesia
Tava lá morto e posto, um disregrado
Onze tiros fizeram a avaria
E o morto já tava conformado
Onze tiros e não sei por que tantos
Esses tempos não tão pra ninharia
Não fosse a vez daquele, um outro ia
Deus o livre, morrer assassinado
Pro seu santo não era um qualquer um
Três dias num terreno abandonado
Ostentando onze fitas de Ogum
Quantas vezes se leu só nesta semana
Essa história contada assim por cima
A verdade não rima
A verdade não rima
A verdade não rima...



População e Previdência Social sob o Capitalismo

A resenha abaixo tem como foco o livro “Capitalismo e População Mundial”. Pode não parecer mas trata-se de questão central do debate político, pois está na base de qualquer discussão sobre o atual modelo institucional da Previdência Social, inclusive sobre o atual projeto de reforma proposto pelo governo Bolsonaro.
O livro aborda a questão da população mundial sob o capitalismo, inclusive aquela dos países em desenvolvimento - caso do Brasil - (Capítulo 4, seção 4.2) onde o capitalismo altera radicalmente as condições de reprodução da população reduzindo as taxas de fertilidade e de mortalidade, aumentando a esperança de vida e a proporção de idosos.
Segue a resenha.

Capitalismo e População Mundial - Resenha

Alfredo Maciel da Silveira*
Abril – 2019**

Moraes, Sergio Augusto de. Capitalismo e população mundial***. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira; Rio de Janeiro: Contraponto, 2016.

Diante de uma das questões que mais preocupam os estudiosos do futuro da humanidade, qual seja o crescimento da população mundial, cujas tendências, somadas aos padrões de consumo difundidos pelo capitalismo, pressionam os recursos naturais, a produção de alimentos e o equilíbrio ecológico, Sergio A. Moraes no presente ensaio abre a perspectiva do tratamento analítico daquela problemática mediante a tese de K. Marx da subordinação no longo prazo do crescimento populacional às leis de reprodução do capital.
Inicialmente o autor apresenta a evolução histórica da população até os dias atuais em consonância à gênese e evolução do capitalismo desde seu núcleo inicial europeu e sua fronteira de expansão norte-americana, de modo a constituírem tais regiões, ainda que não exclusivamente, o campo de observação primordial das interações do capitalismo e população até os dias atuais do capitalismo avançado e globalizado. Apoiando-se em minuciosa base de estudos populacionais, o autor faz a critica do caráter exclusivamente quantitativo dos mesmos no panorama atual das pesquisas.
Então, seguindo o método esboçado por K. Marx em O capital, tomado como referência ao longo de todo o ensaio, é construída passo a passo a conexão da dinâmica populacional com o processo de acumulação do capital até a escala planetária atual desses dois polos da relação. Ou seja, a problemática da tendência populacional, que ameaça a vida humana no planeta, deveria ser pensada nas contradições engendradas pelo desenvolvimento capitalista, seja pela necessidade da expansão da força de trabalho e do mercado de consumo para a valorização do capital, seja pelas condições e oportunidades que historicamente o próprio capitalismo tem induzido para a contenção do crescimento da população em benefício da humanidade.