Alfredo Maciel da Silveira
Julho 2017
Desde os fins do século XX generalizou-se o senso comum de que o capitalismo "venceu" a disputa com o socialismo. Pensadores à direita do espectro político então propugnaram a tese do "fim da história". Já pelo lado da esquerda grassou e ainda grassa o desapontamento com o socialismo, que "não deu certo" , que "não funciona".
Os males do capitalismo todavia
se reproduzem agora com força avassaladora em meio à acelerada reestruturação
produtiva na nova escala da globalização. E o reconhecimento desses males - por
exemplo suas crises cíclicas, concentração da riqueza, critério privado de
alocação dos recursos, exclusão social, anarquia da produção, populações em
fuga da fome e das guerras, desequilíbrios ambientais - está longe de ser
exclusividade de um pensamento crítico marxista. O mesmo se pode dizer quanto
às propostas de políticas mitigadoras daqueles males, apontando até para
reformas tendencialmente anticapitalistas, formuladas por insuspeitas instituições
e líderes empresariais, ícones do capitalismo contemporâneo.
No campo das ideias e da
cultura o capitalismo está exuberantemente hegemônico na sociedade. Isso lhe
permite, ao mesmo tempo, apresentar como suas as conquistas democráticas - direitos
civis, políticos e econômicos - que foram na verdade resultado das lutas populares,
enquanto degrada e destrói estas mesmas conquistas.
E a visão liberal atomista e progressista dos primórdios do
século XVIII, então vendo a sociedade como
o somatório dos indivíduos produtores coordenados pela "mão
invisível" do mercado, é agora
radicalizada pela inculcação ideológica, atávica e fora de época, do
individualismo mais exacerbado, a destruir os valores da solidariedade, da ação
coletiva, da prevalência do público sobre o privado.
Nesse contexto, o socialismo é
apresentado como tendo sido um projeto e um experimento "ditado" ou "imposto"
pelos comunistas, presentemente identificados e caricaturados em termos propagandísticos
pelo regime político da Coreia do Norte e a figura emblemática do seu "enfant
terrible" líder dinástico.
Ora, para tal investigação
claro que não há como consultar qualquer "receita de bolo"
supostamente legada pelos pensadores clássicos do socialismo e do comunismo. Nem
simplesmente esconjurar a experiência histórica do "socialismo real"
sem antes voltar aos seus fatores determinantes, aos condicionamentos
históricos de seus acertos e erros, êxitos e derrotas, e suas contribuições
positivas decisivas de que o mundo atual é herdeiro. Ela é parte integrante de uma época histórica
em devir, um momento do processo histórico e não um marco do "fim da
história".
O legado maior dos pensadores
clássicos, subjacente às análises que fizeram nos seus particulares contextos de
época, reside na sua orientação metodológica, no seu método. Isto, a começar
pelo próprio conceito de época histórica em que demarcam no tempo a dinâmica evolutiva
da sociedade. Assim sendo, se há uma escolha a fazer, definidora do campo da
esquerda, tal consiste justamente na tomada de posição pelo método da praxis,
ou da "filosofia da praxis".
No mais, e conforme a lição
dada pelos seus grandes pensadores, precisa a esquerda apoiar-se em todo o atual
estado da arte do conhecimento social, em
diálogo fértil com a diversidade das tendências políticas e de pensamento
comprometidas com a democracia e com o desenvolvimento do ser humano no rumo de
sua emancipação do reino da necessidade e entrada no reino da liberdade. Só
desse modo a esquerda poderá iluminar o caminho dos agentes de uma vontade
coletiva transformadora.
Aliás, o reconhecimento da
atuação dos agentes daquela vontade
coletiva vem a ser parte essencial do próprio método. Nada mais estranho
àqueles clássicos conceber as contradições do capitalismo como impulsionadoras de
forças políticas automática e espontaneamente transformadoras de seu próprio
contexto sem a formação do intelectual coletivo, nas novas formas a serem por
este assumidas.
E nas condições contemporâneas
do capitalismo global, de grande mobilidade dos recursos produtivos materiais,
financeiros, informacionais e da própria força de trabalho, com sistemas
integrados alem dos limites das fronteiras nacionais, isto por si só já
requereria a coordenação internacional das lutas sociais. Em contrapartida a
revolução informacional em curso colapsa as distâncias e os tempos no
relacionamento entre os núcleos produtores do conhecimento, inclusive aqueles
formuladores estratégicos da ideologia e da política. Não por acaso proliferam os
"think tanks" integrados em rede, à direita e à esquerda do espectro
político. Assim fica praticamente evidenciado o caráter internacional do novo
intelectual coletivo enraizado nos diversos campos da vida social e mesmo da
vida íntima, na cultura, na comunicação social, nas ciências, no mundo das
técnicas e da produção, e nas múltiplas mediações entre as sociedades civil e
política. Campos permeados por conflitos de classe a reclamarem um novo
internacionalismo.
Para concluir, como
contribuição ao debate, seguem referências
fundamentais do que pensaram quatro grandes clássicos sobre a época histórica.
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"O comunismo não é para nós um estado de coisas a ser implantado, um ideal em função do qual a realidade deva ser organizada. Chamamos de comunismo o movimento real que supera o atual estado de coisas". (Marx, K. A Ideologia Alemã, 1845).
"O que caracteriza o comunismo não é a supressão da propriedade em geral e sim a superação da propriedade burguesa (...) O comunismo não retira a ninguém o poder de apropriar-se da sua parte dos produtos sociais; apenas suprime o poder de escravizar o trabalho de outrem por meio dessa apropriação". (Marx. K., Engels, F. Manifesto Comunista, 1848).
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"(...)Quando nasce nos
homens a consciência de que as instituições sociais vigentes são irracionais e
injustas, de que a razão se converteu em insensatez e a benção em praga
[referência a Mefistófeles, em Fausto, de Goethe], isso não é mais que um
indício de que nos métodos de produção e nas formas de distribuição
produziram-se silenciosamente transformações com as quais já não concorda a
ordem social, talhada segundo o padrão de condições econômicas anteriores. E
assim já está dito que novas relações de produção têm forçosamente que conter -
mais ou menos desenvolvidos - os meios necessários para pôr termo aos males
descobertos. E esses meios não devem ser tirados da cabeça de ninguém, mas a
cabeça é que tem de descobri-los nos fatos materiais da produção, tal e qual a
realidade os oferece". (Engels, F. Do Socialismo Utópico ao
Socialismo Científico, 1877)
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"(...)deve-se, em
geral, reconhecer que esse desenvolvimento do capitalismo na Rússia é realmente
lento. E não poderia ser diferente: nenhum outro país capitalista conserva
tantas instituições antigas, incompatíveis com o capitalismo, retendo o seu
desenvolvimento e agravando infinitamente a situação dos produtores, que
"sofrem tanto pelo capitalismo como pelo seu insuficiente
desenvolvimento"(...)". (Lenin, W. O Desenvolvimento do
Capitalismo na Rússia, 2ª ed, 1907).
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"(...)Marx
inicia intelectualmente uma época histórica que provavelmente durará séculos,
isto é, até o desaparecimento da sociedade política e o advento da sociedade
regulada. Somente quando isto ocorrer, a sua concepção do mundo será superada
(concepção da necessidade, superada pela concepção da liberdade(...) Os
utopistas, na medida em que exprimiam uma crítica da sociedade existente em seu
tempo, compreendiam muito bem que o Estado-classe não podia ser a sociedade
regulada, tanto é verdade que nos tipos de sociedade pensados nas diversas
utopias introduz-se a igualdade econômica como base necessária da reforma
projetada: nisto os utopistas não eram utopistas, mas cientistas concretos da
política e críticos coerentes. O caráter utópico de alguns deles era dado pelo
fato de que consideravam possível introduzir a igualdade econômica com leis
arbitrárias, com um ato de vontade etc.(...)". (Gramsci, A. Cadernos
do Cárcere, 1929-1935).
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Olá Carlos Alberto. Grande estímulo você nos dá. A sua percepção do artigo dá bem a medida do tamanho dos problemas que tento abordar resumidamente. Registrada a sua sugestão.Neste oceano "navegar é preciso"...
ResponderExcluirMuito interessante o artigo, mas, como se pode constatar, o comunismo não deu certo nem jamais dará. Isso porque não dá importância às questões emocionais do ser humano.
ResponderExcluirPara mim, o homem e seus sentimentos estão no centro de tudo. Logo, por mais bonita que seja a ideia do comunismo ou mesmo do socialismo, esses regimes jamais darão certo.