Carta do Sertão


A leitura de “Quem ganhou?”, aqui recentemente publicada a propósito da campanha eleitoral, suscitou uma reflexão e uma discussão trazidas por João Cezar Pierobon, com um olhar desde os sertões de hoje em dia, e que vão além da conjuntura imediata. A penetração recente da modernização capitalista no vasto interior do território nacional é vista com otimismo pelo citado autor como portadora da consolidação das instituições democráticas – “não creio nas experiências dos atalhos autoritários do passado, num país, hoje, com mais de 200 milhões de habitantes”. Segue a carta de Pierobon.
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João Cezar Pierobon*
Agosto 2018
Conforme o artigo “Quem ganhou?”, de Sergio Moraes, neste blog, concordo que houve sim uma mudança na atmosfera. É inegável isso. A nossa imprensa livre tem contribuído muito para esse ambiente pelos debates. Alguns até mesmo antes do registro das candidaturas no TSE. Começamos a falar em política, em escolhas. Começaram as pesquisas de opinião. Tudo democraticamente. Tudo com os três poderes constitucionais funcionando. E, assim, creio que chegaremos às eleições. E serão elas é que vão resolver a questão. Não sei se haverá mudanças nos “blocos de poder tradicionais". Mas, é melhor isso do que nada e "sonhos com soluções rápidas e autoritárias." Acho que o Brasil, por ser uma economia capitalista forte, (aceito qualquer dúvida quanto a isso), vai caminhando assim com o seu Estado de direito democrático. Falo pelo meu Estado de Goiás. Se você for a Rio Verde, um município goiano, que é muito forte no agro negócio, forte mesmo, e imaginar todos os Rios Verdes do Brasil, passando pelo interior de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, os dois Mato Grosso, o Chapadão Ocidental da Bahia, o sul do Maranhão e Piauí (isso mesmo, a imprensa ignora isso), os perímetros irrigados às margens do São Francisco, ao Sul de Minas - tudo isso cheira a negócios, a capitalismo, a livre competição - tudo cheira a algo sem volta na história. Somos uma nação capitalista. Alguns podem divergir de mim e respeito isso. Mas a conclusão que chego, vendo esse imenso território interiorano, é que já casamos o capitalismo com o Estado democrático de direito, ou liberalismo. (Alguns se envergonham de falar, assim na lata, isso). Não tenho envergadura teórica para analisar como a história casou capitalismo com o liberalismo; talvez a história da Inglaterra possa dar alguma luz sobre esse enlace. Podemos ter dificuldades, e não poucas, mas é muito difícil desmanchar o que foi construído durante muito tempo. As grandes nações desenvolvidas casaram o capitalismo com o Estado democrático de direito e o seu liberalismo. Há exceções?  Sim. A China, o Império do Meio. E a Rússia. A primeira, uma civilização milenar, vem de impérios milenares, nunca passou por experiências democráticas longas. Uma breve república, lá no século passado, morreu nas ondas da Revolução Chinesa, e pode ser um poderoso ponto fora da curva. A Rússia. Bem, a Rússia. A Rússia sempre foi um império preocupado com a sua segurança, com as suas fronteiras, (vide o recente caso da Crimeia e do leste da Ucrânia) pois cercada por povos "hostis", com problemáticos acessos aos grandes oceanos, cercada por mares fechados, ou oceanos de gelo. Hitler dizia que a  “Rússia queria um mar sem gelo." Até hoje é assim. Não é fácil se sentir como que vedada aos grandes oceanos. Foi desse modo até mesmo nos tempos do socialismo. Nós estamos abertos aos grandes oceanos e isolados no Hemisfério Sul com uma América capitalista hegemônica e democrática, liberal, servindo de exemplo com a sua riqueza, e poder, e com o seu "soft power". Por isso, por essas "divagações", discutíveis, não creio nas experiências dos atalhos autoritários do passado, num país, hoje, com mais de 200 milhões de habitantes. Sempre que me bate um pessimismo, lembro-me de Darcy Ribeiro (no seu O Povo Brasileiro): "estamos construindo um povo novo", uma nova civilização. Vai demorar. É preciso paciência. Não há democracia sem paciência. Sem se aceitar o pensamento divergente. Muito bom o artigo de Sérgio Moraes neste blog Democracia e Socialismo. 
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* João Cezar Pierobon é engenheiro, poeta e musicista, mora em Goiânia, Goiás. Publicou “A crise da música”, neste Blog, em Julho de 2017.