Giocondo Dias e a democracia

"É corrente encontrar alguém que tendo passado por tantas dificuldades e dores, desde o isolamento dos amigos e a permanente ameaça da polícia até a distância dos familiares, tornar-se amargo e taciturno. Dias não está neste rol. Ele manteve a cordialidade, o bom humor, o carinho com sua família e a delicadeza com os amigos. Talvez a mesma delicadeza com que tratava a política".(Sergio Moraes)

Acaba de ser lançado o filme “Giocondo Dias – ilustre clandestino”, que resgata a memória deste herói do povo brasileiro. Juntamo-nos neste resgate, em hora tão difícil da vida brasileira. O historiador e escritor Ivan Alves Filho, traz-nos um perfil resumido de Giocondo Dias, extraído de seu livro "Os nove de 22 - O PCB na vida brasileira"(*), também lançado recentemente. Segue o texto de Ivan.

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 Giocondo, o Cabo Dias

Ivan Alves Filho

Setembro - 2021

Nascido na Bahia, em 1913, Giocondo Gerbasi Alves Dias era filho de uma italiana e de um brasileiro. Órfão, aos sete anos de idade, começou, por essa mesma época, a trabalhar no cais do porto de Salvador, socando pimenta no pilão. Com 13 para 14 anos, já distribuía o jornal do Partido Comunista pelas ruas da cidade. Não parou mais: no início de 1935, ingressaria formalmente no Partido, do qual se tornaria secretário-geral, décadas depois. Em novembro desse mesmo ano, com apenas 22 anos, lideraria a tomada do poder pela Aliança Nacional Libertadora (ANL) em Natal, capital do Rio Grande do Norte. Durante quatro dias, os aliancistas controlariam a cidade. Giocondo foi ferido com três tiros, no decorrer da luta. Começava, então, a legenda do Cabo Dias. 

Giocondo Dias
Dele pode-se dizer que teve, de fato, uma vida de romance, como alguns dirigentes comunistas tiveram. Preso em 1936, foi libertado um ano e meio depois. E passou a conduzir, desde a clandestinidade, o Partido Comunista na Bahia, até à redemocratização, em 1945. Dirigiu homens da bravura de Carlos Marighella, Jorge Amado e João Falcão. Eleito deputado estadual pelo PCB, em 1946, teve seu mandato cassado e mergulhou novamente na clandestinidade, por doze longos anos. Durante boa parte dos anos 50, Giocondo cuidou da segurança de Luiz Carlos Prestes, então o dirigente máximo do PCB. Ficou na clandestinidade de 1947 a 1958. 

Ao emergir dela, assumiu a condição de Secretário de Organização do PCB – na época o segundo posto na hierarquia partidária. Nesse período, ele era o principal responsável pela articulação política que resultou na elaboração da Declaração de Março de 1958. Esse documento propõe a Democracia como via de superação do capitalismo e é um verdadeiro marco na história do comunismo brasileiro. Com o advento do Golpe de 64, manteve a cabeça fria. Ao lado de Alberto Passos Guimarães, formulou a necessidade de derrotar a ditadura no plano político, rechaçando a luta armada contra o regime. É de se destacar, por exemplo, que o Partido Comunista Brasileiro não enviou representante à Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS) em Havana, em 1967, quando muitos movimentos latino-americanos debatiam a questão do recurso à luta armada na região, por influência da revolução cubana. Mesmo partidos como o uruguaio e o chileno, críticos em relação à experiência cubana, enviaram representantes à OLAS, ainda que em caráter de observadores. 

Para Giocondo e a maioria da direção do PCB, somente o movimento de massas derrotaria o governo ditatorial, não fazendo sentido levar a luta para onde o regime era forte – o terreno militar, justamente. Segundo ainda o velho revolucionário, tinha havido uma mudança na facção dominante e a batalha contra o novo regime seria longa e árdua. A História lhe daria razão: a ditadura durou 21 anos. 

Em 1971-72, ele propôs a formação de uma Frente Antifascista para isolar a ditadura e retomar o processo democrático. Após passar outros 12 anos, clandestino no Brasil, foi obrigado a se exilar na União Soviética e na França, a partir de 1976. De retorno ao país, no bojo da Lei da Anistia, foi o primeiro dirigente político a formular a necessidade de eleições diretas para a Presidência da República. Isso ocorreu em 1980 – ou seja, quatro anos antes de o movimento popular Diretas-Já empolgar o país. Nesse mesmo ano, assumiu a secretaria geral do PCB. 

Este extraordinário estrategista político passou 41 anos de sua vida na clandestinidade, no exílio ou na cadeia. Sacrificou tudo pela liberdade. E, durante todo o período de sua longa militância, nunca trocou de partido. Sabia ler na conjuntura como ninguém e se antecipava sempre. Essa a marca dos grandes estrategistas. Daí eu compará-lo ao búlgaro Geórgi Dimitrov e ao italiano Enrico Berlinguer. Não são muitos os partidos políticos no mundo que alinham em seus quadros um homem da sua grandeza, coerência e retidão. Mais: entendia como ninguém os limites da luta popular. “Só uns poucos se sacrificam realmente”, disse-me ele, uma vez. E acrescentou, em seguida: “A grande maioria da população tem medo, permanece alheia. É preciso evitar que aumente o fosso entre o partido e as massas”. 

Eu conheci Giocondo rapidamente em nossa casa, em 1971. Foi no período conturbado em que Prestes deixava o país em direção à União Soviética. Anos depois, eu tive o prazer de trabalhar com ele no período da legalidade do PCB e, posteriormente, fazer a sua biografia. Pude acompanhar a cautela e a sabedoria com que conduziu o Partido nessa delicada transição para a Democracia. Para ele, a política organizava a vida brasileira e todas as demais questões dependiam dela. 

Giocondo Dias morreu a 7 de setembro de 1987, no Dia da Pátria.

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(*) Capa, citado livro de Ivan Alves Filho:


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