As marcas de nascença (1)

Sergio Gonzaga de Oliveira (*)

Novembro - 2022

Lembrem das avós

Abatidas transtornadas

Lembrem das mães

Exaustas apressadas

Lembrem das filhas

Acuadas desamparadas

Lembrem das irmãs

Grávidas violentadas

Das netas...

Tristes crianças

Assustadas

 


Pensem nas mulheres

No acalanto da vida

No útero ancestral

 

Mas não se esqueçam da violência

Dos abortos clandestinos

Dos cárceres privados

Das esquinas degradadas

Do chão duro das ruas

No frio da madrugada

 

Pensem nas ilusões contidas

Nos empregos, exploradas

Nas filas intermináveis

Nas casas enlameadas

Nas promessas não cumpridas

Nas mortes anunciadas

 

Pensem nos sonhos negados

Na dor dos filhos largados

Na roda dos enjeitados

 

Lembrem dos filhos perdidos

Para a guerra das milícias

Nas batalhas com a polícia

Nas rotas sujas do tráfico

 

Mas não se esqueçam

Não se esqueçam...

Dos lucros nunca taxados

Dos juros inexplicáveis

Das dívidas impagáveis

Marcando a desigualdade

 

Dos olhos que não enxergam

Um sistema alucinado

Fonte de tanta maldade

 

De acordo com a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE, publicado em 2020 e baseado na PNAD-C de 2019, metade da população brasileira vive com um valor inferior ao de um salário mínimo. Pode-se afirmar que a maioria vive na pobreza ou em seu entorno. Quando se cruzam as informações de raça, gênero e renda os dados são chocantes.  As mulheres negras se destacam entre os mais pobres. Embora sejam 28,7% da população total, são 39,8% entre os muito pobres e 38,1% entre os pobres. As mulheres negras, sem cônjuges, com filhos e filhas menores de 14 anos para criar, são os arranjos familiares que mais sofrem com a desigualdade. Segundo o IBGE, esses grupos concentram a maior incidência de pobreza, sendo 86,4% pobres ou extremamente pobres (2).

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(1) Esses versos têm como inspiração a belíssima estrutura poética de "Rosa de Hiroshima", de Vinícius de Moraes, escrita em 1946. Cometi essa transgressão para me unir aos protestos contra as más condições de vida da maioria das mulheres na sociedade brasileira, especialmente as negras e pobres que mais sofrem com a violência cotidiana. Peço perdão aos amantes da poesia de Vinicius por essa ousadia.

(2) Esses dados foram analisados com mais detalhes no artigo “O nó que não desata” que publiquei neste blog em agosto de 2021.

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(*) Sergio Gonzaga de Oliveira é engenheiro pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e economista pela Universidade do Sul de Santa Catarina(UNISUL). Colaborador frequente do blog Democracia e Socialismo.


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4 comentários:

  1. Isso é o subproduto da alienação do povo em função do capitalismo neoliberal, que tem como objetivo a mais-valia...

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  2. Sergio Gonzaga, não está bom, está ótimo, espetacular!!! Estou certo de que Vinicius de Moraes, lá do ceú onde está, ficou orgulhoso do seu trabalho. Esta qualidade eu não conhecia em você. Parabéns. Raymundo de Oliveira

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    1. Às vezes, Raymundo, a poesia é uma tentativa de dizer muito com poucas palavras. Grande abraço

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  3. Parabéns, socialismo ou barbárie.

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