Alfredo Maciel da
Silveira*
Novembro/2022
Está se iniciando o debate
necessário, incontornável, de uma nova política econômica que concilie
crescimento com distribuição de renda, até porque a segunda não existe sem a
primeira. No "reformismo neoliberal", iniciado com Meirelles lá no governo
Temer, o Estado se retrairia, dando espaço ao capital privado. Daí aquele
"Teto de gastos", arriscadíssimo de se tornar uma impossibilidade
aritmética. Claro que Meirelles, então ministro propositor do “Teto”, sabia
desse risco, caso as reformas neoliberais não se concretizassem.
Jaboticabeira - Coisa nossa... |
Passados seis anos de vigência da lei, os chamados “gastos obrigatórios”, que são os de custeio das políticas públicas e da máquina pública, praticamente atingiram 100% do “Teto”, levando praticamente a zero os “gastos discricionários” e sua componente principal, o investimento público!
Dentro daqueles “gastos
obrigatórios” destaque-se os da Saúde e Educação. Eles têm seus respectivos pisos legalmente
indexados à receita do governo (respectivamente Arts 198 e 212 da Constituição,
e leis subseqüentes). E a receita obviamente cresce com o PIB. Ou seja, ao
longo dos anos, enquanto Saúde e Educação no mínimo crescem com o PIB, mantido
o “Teto” fixo em termos reais, todos os demais gastos tendem para zero a se
obedecer a regra do “Teto”.
Aliás, estava e está prevista
na emenda constitucional do “Teto” a sua "revisão" em 10 anos, ou
seja, 2026. Claro que vai mudar antes disso.
O Meirelles já deve ter se
rendido à aritmética. Sabe que o "Teto" de gastos que inventou, é
rigorosamente, numericamente, inviável. Seria então o caso de uma nova “âncora”
fiscal? Tal conceito, oriundo da ortodoxia do controle inflacionário,
contaminou propositalmente a gestão fiscal, orçamentária, com a gestão
macroeconômica, que tem na política fiscal, de forma necessariamente flexível,
um de seus instrumentos clássicos.
Há de fato a necessidade de serem
criados instrumentos de gestão fiscal, orçamentária, de médio e longo prazos, sob
o escopo maior do planejamento. Na prática, seriam desejáveis um ou mais
mecanismos institucionalizados de balizamento e controle de itens da despesa
pública com vistas à gestão de sua eficiência e produtividade, conjugadas ao
crescimento da economia. E isto deverá ser feito sob legislação ordinária, sem
precipitações, com negociação ampla, e apoio do empresariado, dos banqueiros,
do "mercado", etc.
O “Teto” não se coaduna, nem
com a flexibilidade própria da política macroeconômica nem com os instrumentos
normatizadores de gestão orçamentária. Tal “nem-nem” constitucional, típica
“jaboticaba”, não existe em qualquer outra parte do mundo.
Por que a fizeram?
Meirelles, apoiado por vários
economistas ultraliberais, "apostavam" num reformismo neoliberal
radical onde o capital privado cuidaria da Educação, da Saúde, da Previdência,
dos Investimentos em Infraestrutura, etc. Aí ficava fácil um "Teto"
grosseiro que mantém constante ano após ano o total dos gastos federais de
custeio e investimento, corrigido apenas pela inflação, ao mesmo tempo liberando
as despesas financeiras, basicamente o custo da dívida pública.
Como parte disso continuavam
acreditando, ainda em 2016, nos “bons ventos” da “globalização” e da financeirização
sem freios do capitalismo, no afluxo “generoso” do capital estrangeiro, desde
que criássemos, através da “austeridade” fiscal sinalizada pelo “Teto” e de
outras reformas liberalizantes, o
“ambiente de confiança” (como dizia o Meirelles) para os agentes privados. Mas
o que estamos a assistir no mundo é um refluxo da “globalização” desregulada,
numa crise do capitalismo que ameaça as conquistas democráticas dos povos.
Repare-se finalmente que a taxa
de crescimento média da economia ficaria inteiramente ao sabor dos ventos e da
miopia do mercado. O governo renunciaria completamente ao investimento público
como instrumento indutor e coordenador das decisões dos agentes privados, com
vistas à sustentação de um crescimento mínimo, em horizonte temporal previsível,
compatível às demandas óbvias do sofrido povo brasileiro. Foi revelador que os
cenários de crescimento, da área de “planejamento” da época de Temer, para os
quatro anos seguintes, ficassem em torno de pífios 2% ao ano. Em seguida, Paulo Guedes apregoou esses números, os adotou
e, claro, radicalizou todo aquele
neoliberalismo. .
Sintoma claro do impasse causado
pelo esgotamento do “Teto” foi a recente declaração precipitada de Lula,
desatento à complexidade da questão, em crítica ao que chamou “a tal
estabilidade fiscal”. O próprio Lula, noutra passagem do mesmo discurso,
recordou a gestão fiscal equilibrada de seus mandatos.
Por linhas tortas, em defesa de
Lula, próceres do PT apressaram-se em levantar o verdadeiro problema, que é o
de um novo arcabouço institucional e legal para a política econômica. Ou seja,
apresentando o "motivo justo" da frase de Lula.
A começar pelo nível técnico, o
debate necessário teria tudo pra induzir a convergência de economistas liberais
e intervencionistas, num clima de crítica e colaboração, sobre o grau de
intervenção do Estado, diante dos desafios objetivos desses novos tempos. Claro
que nem todos os liberais aceitariam. Ou
melhor, os mais "ortodoxos" em macroeconomia, numa negociação, teriam
que avançar para um consenso. Mas ressalte-se, mesmo entre os liberais
declarados, há quem esteja muito à frente do “mainstream” do pensamento macroeconômico ortodoxo, e neste sentido
podendo trazer contribuições críticas, férteis e decisivas.
Ao se precipitarem, os próceres
petistas embaralharam as cartas, sofismaram, misturando a defesa da frase
infeliz de Lula com uma questão político-institucional estratégica, com aquilo
que precisa passar por um grande acordo nacional, a ser construído em prazo
além da presente legislatura a se encerrar em dezembro próximo.
Agora o ambiente se
radicalizou, a desconfiança voltou. O PT e outros optaram por defender
atacando, atirando nos “humores do
mercado".
Mas Lula, como é de conhecimento
público, está mesmo é de conversa com Trabuco, chefão do Bradesco... O risco é
repetir 2003, entregando tudo ao "mercado" (naquela ocasião, com Palocci,
Meirelles, etc) e "comprando" os "trezentos picaretas" de
sempre (a turma do Orçamento Secreto, etc).
Assim, estamos sob o risco de
perdermos a oportunidade de reformas estruturais negociadas, num bloco além da
centro-esquerda. Pois a burguesia e a direita democrática – a bem dizer - detestam crise social.
Com
esta crise todos perdemos. Quem ganha é o bolsonarismo.
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