Memória: Partido Comunista no Brasil, conhecido como Partidão, completaria 101 anos

Luiz Carlos Azedo*

Março - 2023

Ao ensejo dos 101 anos da fundação do Partido Comunista no Brasil – PCB, Luiz Carlos Azedo apresenta-nos um bom resumo dos momentos críticos, de mudanças, ao longo da história daquele partido. Azedo agrega também informações importantes sobre a evolução do núcleo político com origem no PCB que veio a resultar no atual partido Cidadania.

Contudo, ao pretender dar seguimento à história do PCB mediante o  eixo das organizações políticas que trouxeram ao Cidadania, Azedo deixa pelo caminho parte importante da herança do PCB na vida brasileira.

Trazemos assim alguns reparos.

De fato os caminhos mudam conforme as circunstâncias históricas. O importante é não perder de vista a perspectiva do socialismo. Em seu texto, sempre muito bem escrito, Azedo se equivoca ao dizer que o que já foi o PCB é hoje o Cidadania. Não é não. E o que foi o PCB continua, de distintas maneiras, sendo o PCB, apesar das frustradas tentativas de o liquidarem. O próprio texto afirma isto ao revelar os planos de Roberto Freire (que ilustra o texto, quando quem deveria ilustrar seria a foto de um comunista) de levar o Cidadania mais à direita ainda, com uma hipotética união com PSDB, MDB e Podemos. Não há em nenhum desses partidos qualquer traço de luta pelo socialismo, seja por que caminho for. E ser revolucionário não quer dizer que os atuais comunistas no mundo ou no Brasil precisam ou devem repetir a tomada de algum palácio de inverno.

Segue o artigo de Azedo.

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Memória: Partido Comunista no Brasil, conhecido como Partidão, completaria 101 anos**


O futuro proposto por Roberto Freire para o que já foi o Partido Comunista Brasileiro — hoje Cidadania — é uma grande federação de centro

O velho Partidão completaria, ontem [25/03/2023], 101 anos de fundação. Surgiu em março de 1922, com o nome de Partido Comunista do Brasil (PCB), alterando o nome para Partido Comunista Brasileiro, sob o comando de Luiz Carlos Prestes, em 1961, e Partido Popular Socialista (PPS), em 1992, sob liderança de Roberto Freire, que promoveu nova metamorfose partidária ao mudar o nome da legenda para Cidadania. Agora, Freire quer conduzir seu partido, hoje federado com o PSDB, para uma federação ainda mais ampla, com o Podemos e, talvez, o MDB. Como nas mudanças anteriores, a proposta enfrenta resistências, mas, dessa vez, da maioria da Executiva e do Diretório Nacional.

Luiz Carlos Azedo
Às vésperas do aniversário da legenda, Freire convocou uma reunião dos presidentes regionais do Cidadania, ad referendum das instâncias dirigentes, para debater a proposta. “Aproveito para avisar aos companheiros e companheiras que acabei de convidar os presidentes dos nossos diretórios estaduais para conversarmos sobre as perspectivas políticas de uma possível Federação PSDB/Cidadania com o Podemos e o MDB. Não haverá encaminhamento nem decisão alguma. Esse comunicado seria desnecessário, mas é imprescindível, infelizmente, neste momento por nós vivido, para evitar ruídos e mal-entendidos”, justificou.

A proposta de ampliação da federação com o Podemos havia sido rechaçada pela maioria da Executiva do Cidadania, mas seu diretório nacional não chegou a se manifestar sobre o assunto, em reunião convocada para definir a posição do partido em relação ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Por 65 votos a 35, a legenda decidiu apoiar o governo sem impor condições, uma derrota que Freire assimilou parcialmente, ao comunicar a decisão oficialmente ao próprio presidente da República. A bancada federal, porém, em nota divulgada na mesma ocasião, declarou independência em relação ao governo.

Com cinco deputados — Alex Manente (SP), Arnaldo Jardim (SP), Carmem Zanoto (SC), Any Ortiz (RS) e Amom Mandel (AM) —, o Cidadania sobreviveu à cláusula de barreira, em 2022, por causa da federação com o PSDB, aprovada em congresso por apenas um voto de diferença. Mas essa escolha também foi traumática. As alternativas eram uma chapa própria, encabeçada pelo senador Alessandro Vieira, que deixou o partido, ou uma federação com o PDT, que havia lançado Ciro Gomes. Em consequência da decisão, o governador da Paraíba, João Azevedo, candidato à reeleição, e a senadora Leila Barros, que era candidata ao governo do Distrito Federal, também deixaram a legenda.

A federação com o PSDB foi uma faca de dois gumes. A deputada Paula Belmonte (DF), que pretendia concorrer ao Senado, ficou sem legenda e se viu obrigada a disputar uma vaga na Câmara Distrital. O ex-governador Cristovam Buarque desistiu de disputar uma cadeira na Câmara pelo mesmo motivo. Os deputados Rubens Bueno (PR) e Daniel Coelho (PE), vice-presidentes da legenda, não se reelegeram. O deputado Marcos Marrafon (que era suplente, foi diplomado, mas não conseguiu tomar posse) também. O ex-deputado Arnaldo Jordy (PA) não conseguiu voltar à Câmara. Bem-sucedido no empenho de Freire para viabilizar a candidatura de Simone Tebet (MDB) à Presidência, o partido acabou ensanduichado pela polarização entre o ex-presidente Jair Bolsonaro e o presidente Lula, na aba do chapéu do PSDB, que resolveu não ter candidato próprio.

Na verdade, a mudança do nome da legenda de PPS para Cidadania foi feita sob medida para a candidatura do apresentador de televisão Luciano Huck, acalentada por Freire como uma alternativa nova para o país, capaz de incorporar à legenda os movimentos cívicos que surgiram durante o governo Dilma Rousseff e ganharam força na campanha do impeachment. A idéia era constituir uma nova formação política, organizada em rede, que unisse ex-comunistas, socialistas, social-democratas, liberais progressistas e democratas radicais. Huck renovou seu contrato com a TV Globo, a militância dos movimentos cívicos foi abduzida pelo bolsonarismo e a maioria dos seus quadros, que permaneceram no Cidadania nas eleições municipais de 2020, não teve bom desempenho eleitoral. O projeto original do Cidadania de se tornar um partido social-liberal robusto não avançou.

Há 31 anos na presidência do Cidadania, aos 80 anos de idade, Roberto Freire é o mais longevo líder partidário do país, mas ainda não ultrapassou a marca do legendário dirigente comunista Luiz Carlos Prestes, que comandou o PCB de 1945 a 1980. Eleito para o Comitê Central em 1982, no 7º Congresso, lidera uma geração de dirigentes que hoje discorda da opção transformista que vem dando à legenda.

O caminho proposto por Freire é a formação de uma grande federação de centro, liderada pelo velho MDB, mas o espaço para isso está congestionado pela existência do União Brasil e do PSD. A maioria dos dirigentes do Cidadania prefere apoiar o governo Lula, administrar os conflitos com o PSDB nas eleições municipais e, somente depois, decidir o caminho a seguir.

Mudanças anteriores no antigo PCB já provocaram rachas históricos, dos quais surgiram os atuais Partido Comunista do Brasil (PCdoB), em 1962, encabeçado por João Amazonas, e o novo Partido Comunista Brasileiro (PCB), liderado por Ivan Pinheiro, que conseguiu seu registro em 1996. Em 1967, uma das alas que optara pela luta armada, liderada por Apolônio de Carvalho e Mario Alves, criou o PCBR (R de revolucionário), mas a organização foi dizimada pelo regime militar.

Legado e personagens do velho PCB

O emblemático PCB não surgiu de uma corrente socialista ou social-democrata, mas de um grupo de sindicalistas e intelectuais anarquistas que se encantou com o marxismo. Por isso, o partido demorou a ser aceito pela III Internacional Socialista. Por causa dessa singularidade, sofreu também sucessivas intervenções do Cominter — órgão controlado pelo ditador soviético Joseph Stálin, que substituiu a III Internacional — que resultaram no afastamento de alguns dirigentes históricos, entre os quais o próprio Astrojildo Pereira, Heitor Ferreira Lima e Fernando de Lacerda. Essa tensão entre os soviéticos e o PCB foi permanente, mas não impediu seu alinhamento automático quando houve a invasão na antiga Tchecoslováquia, em 1968, nem permitiu que a corrente eurocomunista liderada por Armênio Guedes, Carlos Nelson Coutinho e Luiz Werneck Viana se mantivesse na legenda, na década de 1980.

Em 1982, o poeta Ferreira Gullar resumiu num poema o lugar histórico do antigo Partidão: “Eles eram apenas nove: o jornalista/ Astrojildo, o contador Cordeiro,/o gráfico Pimenta, o sapateiro José Elias, o vassoureiro/Luís Peres, os alfaiates Cendon e Barbosa/ o ferroviário Hermogênio/ e ainda o barbeiro Nequete/ que citava Lênin a três por dois/ Em todo o país,/ eles não eram mais de setenta/ Sabiam pouco de marxismo/ mas tinham sede de justiça/ e estavam dispostos a lutar por ela…” Segundo Gullar, “o PCB não se tornou o maior partido do Ocidente/ nem mesmo do Brasil/ Mas quem contar a história de nosso povo e seus heróis/ tem que falar dele/ Ou estará mentindo”.

Desde os debates sobre agrarismo e industrialização, nas décadas de 1920 e 1930, protagonizados por Astrojildo Pereira, Otávio Brandão e Heitor Ferreira Lima, o desenvolvimento nacional esteve no centro das preocupações do PCB. O debate sobre a superação do atraso econômico por uma via democrática, porém, esbarrou nos dogmas comunistas e confrontou o sonho de uma revolução socialista. Por isso, ao longo dos anos, intelectuais, dirigentes e militantes renovadores deixaram o PCB.

Os erros de Luiz Carlos Prestes

Ex-capitão do Exército, à frente da coluna rebelde que levou seu nome, Luís Carlos Prestes percorreu o Brasil entre 1925 e 1927, combatendo as tropas dos governos Artur Bernardes e Washington Luís. Foram 25 mil quilômetros de marcha. Procurado por Astrojildo Pereira, o fundador do PCB, na Bolívia, onde a coluna havia se internado, para evitar a rendição, Prestes aderiu ao comunismo.

Em novembro 1935, Prestes liderou um levante militar sem chance de dar certo por falta de apoio popular e militar, que se tornaria o mito fundador da “ameaça comunista” no Brasil. Por causa da chamada “Intentona Comunista”, ficou preso por nove anos; sua esposa Olga Benário, uma judia alemã, foi deportada e executada em um campo de concentração nazista, no qual dera à luz a historiadora Anita Prestes, sua filha.

Nada disso impediu que Prestes apoiasse o governo Vargas para que o Brasil entrasse na II Guerra Mundial contra o nazifascismo. Libertado em 1945, foi eleito o senador mais votado do país. Seu mandato, porém, foi cassado, juntamente com o registro da legenda, em 1947, em razão da guerra fria. O PCB voltou à ilegalidade, da qual somente sairia em 1985.

Em 1964, Prestes e o PCB serviram de pretexto para o golpe militar. Uma declaração infeliz sobre a participação dos comunistas no governo João Goulart e o fato de estar articulando a reeleição de Jango foram explorados pelos generais que tomaram o poder. O PCB estava isolado politicamente, embora fosse hegemônico na esquerda brasileira, cuja atuação política viria a influenciar até hoje, a partir de uma idéia-força: a da revolução brasileira.

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(*) Jornalista, colunista do Correio Brasilience.

(**) Publicado originalmente no Correio Brasilience, em 26/03/2023.