Tática e manobra

Sergio Augusto de Moraes*

Alfredo Maciel da Silveira*

Setembro/2020

Em maio do ano passado, face às seguidas investidas do governo e de seus asseclas contra as instituições democráticas, dizíamos que o centro de nossa tática para enfrentar e derrotar tais movimentos era “isolar a ala ideológica do governo” (ver “Outra Tática”,neste Blog). Um ano depois Bolsonaro recua e faz aliança com parte do Centrão, negando uma de suas maiores bandeiras eleitorais - não fazer a “velha política” do toma-lá-dá-cá - com vistas a evitar o crescimento das forças que poderiam resultar em seu afastamento.

Quase ao mesmo tempo porém explode no Brasil a pandemia do corona vírus. Os movimentos de rua em defesa da democracia que começavam a encorpar, os democratas de todas as cores que iniciavam aquele movimento, se unem em torno do Ministro Mandetta, da Saúde, pregando o único remédio comprovadamente eficaz para evitar o contágio: o isolamento social. Era e é, até que a ciência nos dê uma vacina eficaz, a única forma de evitar milhares de mortes, principalmente dos mais pobres.

Foi uma batalha permanente contra as “receitas” apregoadas pelo Presidente  que perdura até hoje. Do lado democrata ela foi liderada pelo pessoal da área da saúde, secundada por milhares, talvez milhões de voluntários e apoiada pelos humanistas, pela maioria dos democratas. Aí deu-se uma nova divisão do povo brasileiro: de um lado aqueles que defendiam e aplicavam o isolamento e do outro o grupo de Bolsonaro e a maior parte do comércio, dos serviços e da indústria que viram seus lucros minguarem ou serem reduzidos a pó, secundados por milhões de desempregados e pobres correndo atrás do auxílio governamental. Foi com tais manobras que Bolsonaro conseguiu aumentar seus índices de aprovação nas pesquisas de opinião.

De certa forma foi e continua sendo uma batalha política entre aqueles que privilegiam a vida mesmo em detrimento do PIB.

Mas tal manobra que joga com o desespero e com a ambição pode não ter vida longa. As divergências entre o ministro da economia e o presidente, escancaram as dificuldades da manobra populista e eleitoral do Presidente se mantida a legislação do “Teto de Gastos”. Mudanças nas regras do “Teto” neste ano, por sua vez requerendo emenda constitucional e sob severas restrições de calendário, não encontra apoio em ala relevante do “centro político”, sob a liderança do Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que exige de Bolsonaro a contrapartida preliminar de desgastes com as reformas administrativa, tributária, e outras reformas da vida estatal que sinalizassem a busca da eficiência e da justiça social no uso do dinheiro público. Note-se também que o Gen. Mourão tem se esmerado na defesa do “Teto” e em elogios a Paulo Guedes através de “Lives” para as cúpulas dos principais bancos privados atuantes no país.

Ao mesmo tempo, o comportamento criminoso de Bolsonaro na pandemia, confrontando governadores, inclusive aliados da direita como Ronaldo Caiado, de Goiás, gerou uma surpreendente convergência e concertação entre praticamente todos os governadores, reforçando a Federação e abrindo um clima de diálogo com conseqüências para o cenário político. Verdade é que diante das manobras de Bolsonaro, ao atrair parte do “Centrão” e de milhões dos desamparados, tudo às vésperas de eleições municipais, faz ver que no jogo partidário a esquerda e o centro democráticos dependem um do outro.

Não por acaso, um veículo de comunicação tipicamente ligado ao centro liberal e democrático como o jornal O Globo, deu espaço a artigo recente do governador do Maranhão Flavio Dino-PCdoB, e a entrevista do governador da Bahia, Rui Costa-PT. Em ambos os casos, os governadores propõem a mais ampla aliança democrática em bases programáticas com vistas às eleições de 2022, antevendo inclusive acordos para segundo turno, de modo a isolar e derrotar a ameaça autoritária, fascista e entreguista sem disfarces do bolsonarismo.

De resto, para uma consistente retomada do desenvolvimento econômico acelerado do país, com a necessária recuperação do investimento público e efetiva derrubada do “Teto de Gastos”, tudo dependerá de uma profunda mudança na correlação de forças nas bases sociais de sustentação dos governos e no seio das sociedades civil e política, com o reconhecimento de erros do passado recente e enfim com o estabelecimento da aliança de centro-esquerda que o país espera desde 1988.

Os sinais dessa aliança parecem já estar à vista e corroboram a proposta que antevíamos há mais de um ano em nosso mencionado artigo “Outra tática”, em particular quanto ao imperativo da mudança na política isolacionista da esquerda petista. Se assim for, a manobra de Bolsonaro terá fôlego curto.

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 (*)Editores deste Blog "Democracia e Socialismo"

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