Urgente: A retomada do Desenvolvimento Econômico (I)

Sérgio Gonzaga de Oliveira*
Março/2019
Democracia não deve ser um regime político baseado em práticas puramente eleitorais, desvinculada das condições objetivas da sociedade. Na verdade, a democracia pressupõe a existência de determinados direitos e liberdades básicas para que possa ser exercida com integridade. Dentre esses, os direitos sociais são fundamentais. Salário digno, previdência social, saúde, educação, habitação e tantos outros não podem ser relegados a um segundo plano. É muito difícil o exercício da cidadania quando os indivíduos vivem no limite da sobrevivência. Embora o Bolsa Família seja um programa importante para retirar da miséria absoluta milhões de brasileiros não é possível imaginar que um valor básico de R$ 85,00 e máximo de R$ 195,00 por mês irá transformar essas pessoas em cidadãos perfeitamente integrados à democracia. E direitos sociais não surgem do nada. Pelo contrário, exigem que a economia tenha atingido um patamar mínimo de produção e distribuição de renda.
Adicionalmente, o conceito atual de desenvolvimento econômico inclui obrigatoriamente a preservação do meio ambiente. Devemos lembrar que o ambiente natural é a fonte onde os humanos vão buscar alimentos, matérias primas e energia que lhes são tão necessários. A destruição do meio ambiente atinge mortalmente a economia. Os exemplos são cada vez mais alarmantes.
Cansamos de ler e ouvir que o Brasil é um país “emergente” ou “em desenvolvimento”. Até o início dos anos 80 do século passado, pelo menos em termos de crescimento econômico, era verdade. Entretanto, a partir daí, até nossos dias, o cenário mudou muito e para pior. Registra o economista José Luis Oreiro, em artigo recente, que entre 1930 e 1980 crescemos em média 6,32%aa e entre 1981 e 2013, apenas 2,55%aa. Se computarmos os cinco últimos anos de crise e baixo crescimento, o número cai ainda mais. Considerando o aumento populacional no período, esse número é lamentável. Alguns surtos de crescimento foram observados nos anos 90 e na primeira década do novo século, mas não foram suficientes para alterar a média geral muito baixa. São praticamente quatro décadas perdidas. Enquanto ficamos patinando, países como a Coréia do Sul, China, Austrália, Nova Zelândia e vários outros cresceram muito e estão a caminho de se tornarem desenvolvidos.

Mulher Coragem

O artigo abaixo é faca amolada. Não permite que aproveitadores suspeitos tirem partido da morte de Marielle, mulher coragem. Se ele for lido por muitas brasileiras e muitos brasileiros teremos mais força para evitar que o Brasil ande para trás.

Marielle era força e promessa*

Miriam Leitão
Março/2019
“Quem era Marielle?” A pergunta é do deputado Eduardo Bolsonaro. “Estou falando com todo o respeito. Ninguém conhecia Marielle Franco antes de ela ser assassinada”. O parlamentar tem que redobrar seu respeito. Marielle era um fenômeno da política. Mulher, negra e tendo crescido na Maré, sem qualquer parente na política, de um partido pequeno, fez uma campanha sem recursos e que a consagrou com mais de 46 mil votos. Ela foi votada principalmente nas áreas pobres da cidade.
Quem era Marielle? Era uma política despontando com uma força de liderança enorme. Na democracia representativa, os representantes são o esteio das instituições e por isso vivem sob constante escrutínio da população. Marielle encarnava exatamente os que mais precisam ter voz num país desigual e cheio de injustiças como o Brasil, as mulheres, os negros, os pobres, os que são perseguidos por sua orientação sexual. Trabalhou para construir essa liderança, por 10 anos foi funcionária de uma casa legislativa, acompanhava o chefe, deputado Marcelo Freixo, numa CPI árdua, a das milícias, problema que ou é enfrentado ou o Rio naufragará na barbárie. Os chefes da milícia são, como ninguém desconhece, ex-integrantes das forças de segurança do Estado. Atuam numa zona de sombra perigosa, afinal o Estado treina e arma seus agentes para que protejam a população e não para prepará-los para ocupar parte do território, sequestrar populações, ameaçá-las e matar os que considera que são seus inimigos.
Segundo o deputado Bolsonaro, ninguém sabia quem era Marielle Franco, antes do crime. Seus eleitores sabiam, a população que foi espontaneamente às ruas nas horas seguintes para chorar sua morte sabia. E infelizmente sabiam também os que a mataram e os que tramaram tão minuciosamente como executar o crime. Se não era ninguém, como sugere o deputado Bolsonaro, porque o policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Queiroz programaram com tanta frieza, a esperaram com tanta determinação, planejaram com tantas minúcias o seu assassinato?
Ela era uma força emergente que já no seu primeiro mandato ameaçava e incomodava. O país precisa saber tudo sobre esse crime porque ele é um atentado à democracia. O Estado Democrático de Direito não pode conviver com o fato de que um representante eleito foi assassinado pelas ideias que tinha e defendia. Isso ocorre nas ditaduras, que se instalam na marginalidade, na ausência da lei. Mas a democracia não pode aceitar o silêncio, as respostas incompletas ou as interpretações enviesadas sobre os motivos que levaram ao crime. Como disse Merval Pereira ontem neste jornal, é “improvável” a tese de que foi por ódio que Ronnie Lessa a matou. Um ódio dele, só dele, e não a ponta executora de um plano para eliminar uma voz que ficava mais alta a cada dia.
O senador Flávio Bolsonaro fez também uma pergunta, diante dos fatos expostos pela Delegacia de Homicídios ao prender os dois suspeitos. “Agora virou fator importante para o crime o cara coincidentemente morar no condomínio dele (de Jair Bolsonaro)?” De novo, há um erro de olhar. O que ele e os órgãos de segurança e todos os envolvidos na proteção do presidente deveriam se perguntar é como ninguém soube que o presidente morava tão perto de alguém que tinha ligações com criminosos, era um matador de aluguel e possuía arsenal onde havia 117 fuzis. Afinal, Bolsonaro foi esfaqueado durante a campanha. E esse foi o argumento para se fazer uma blindagem tão grande na posse que impôs aos jornalistas constrangimentos inéditos. Mas, depois da posse, quando vinha ao Rio, ele ficava numa extrema proximidade de um matador de aluguel.
Há distorção da realidade nas perguntas feitas pelos dois filhos do presidente diante da apresentação pela polícia dos suspeitos pela morte de Marielle. A pergunta exata é saber quem mandou matar uma representante do povo do Rio na Câmara Municipal. O esclarecimento do crime é fundamental para dar respostas à família, aos que amavam Marielle, aos que se sentiam representados por ela, aos que vislumbravam o seu futuro. Mas é também a única forma de fortalecer a democracia. A cada dia — e já são 365 deles — em que não se sabe a motivação e os mandantes desta conspiração e morte, maior é o risco que corre a democracia brasileira.
__________
(*) Reproduzido de O Globo, 14 de março de 2019.
 


Resistir pelo direito de existir

Ser mulher, na universalidade da percepção de uma jovem deste milênio, brasileira e universitária.
Segue o candente manifesto de Thais Versiani.

Resistir pelo direito de existir

Thais Versiani*
Março/2019
Hoje é o dia das mulheres. Mas não me sinto nem um pouco abençoada ou privilegiada por ser uma delas. Não existe um dia sequer em que não sejamos lembradas de que a nossa existência é mais sobrevivência do que vida em si. Não existe um dia em que não sejamos objetificadas, menosprezadas, maltratadas, estupradas, assassinadas. Alvos de violência psicológica e física.

Recebemos flores hoje, porque lá atrás, mulheres morreram incendiadas em uma fábrica de tecelagem por exigirem melhores condições de trabalho. Porque Rosa Parks se recusou a levantar do ônibus. Porque Malala foi atacada com um tiro no crânio porque defendeu a educação de mulheres e crianças. Porque Dandara preferiu o suicídio à retornar a condição de escrava. Porque Maria da Penha, vítima de tortura, viabilizou a luta contra a violência doméstica. Hoje não é um dia de receber elogios. Hoje é um dia de deixar ainda mais esclarecido que nós, mulheres, precisamos ocupar espaços. Precisamos impor a nossa voz. Através da luta, através do amor. Pelo empoderamento através da educação. Juntas. Não precisamos receber flores: precisamos ter nossos direitos garantidos. Precisamos de respeito. Precisamos viver.
____________________________
(*) Thais Versiani, 22 anos, é estudante de Letras - UFRJ