Lula e a Travessia

 Sergio  Augusto de Moraes
 Abril de 2018
                                                                                                                                          
Na turbulência dos dias de hoje a principal questão que se coloca para as forças democráticas é chegar às eleições de outubro mantendo vivas as instituições criadas pela Constituição de 1988. É neste contexto que deve ser analisado o episódio da condenação e prisão de Lula.

Neste sentido o trabalho dos juízes e desembargadores da operação Lava- Jato nas primeira e segunda instâncias é uma preciosa contribuição. Em nenhum momento deixaram de se ater aos preceitos jurídicos, sem deixar-se influenciar pelas pressões políticas, viessem donde viessem. O STJ ateve-se também aos limites da área jurídica. O mesmo não se pode dizer do STF  quando, no julgamento do habeas –corpus impetrado pelos advogados de Lula, alguns juízes tomaram posições com vieses claramente políticos.

Cumpre destacar que tal comportamento pouco republicano não atendia somente aos interesses do ex-presidente. Embutido no caso do habeas-corpus de Lula estava, e continua a estar, a questão da condenação e prisão em segunda instância; por um lado, peça indispensável à redução das desigualdades no Brasil, por outro, fantasma que ronda e amedronta inúmeros políticos importantes tanto do executivo quanto do legislativo. Aqui reside a fragilidade da medida tomada pelo STF.

Assim se torna necessário olhar com cuidado para o discurso de Lula feito ontem no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Nenhuma palavra sobre a importância da manutenção e ampliação da democracia, ao contrário, o que se viu foram auto elogios, propaganda eleitoral e diatribes contra várias instituições da República, mormente contra a Justiça e a imprensa, pilares indispensáveis à consolidação daquela. Sem contar os apelos à resistência da militância que poderiam  gerar, caso não fosse a atitude serena e responsável de Sergio Moro e da Polícia Federal, um enfrentamento de consequências imprevisíveis.

Os erros cometidos por Lula e o PT têm raízes que remontam aos anos de sua formação. Mas se nos ativermos ao período mais recente salta aos olhos a corrupção, fruto também da aliança com o que há de mais atrasado no Brasil, que grassou nos governos Lula e Dilma, cujas entranhas foram abertas ao público nos episódios do mensalão e da operação Lava-Jato. E a incapacidade do PT de, pelo menos uma vez, reconhecer seus erros e revelar ao povo os entraves que o compadrio, o clientelismo, o autoritarismo, o patrimonialismo e a corrupção colocam a um governo verdadeiramente democrático e republicano, atitude que com certeza  contribuiria para a remoção dos mesmos. Entraves estes que tendem a persistir  caso permaneçam ocultos para a maior parte  dos eleitores.   

Nossa democracia ainda é jovem e suas decisões ainda são frágeis. Só a ação conjunta das forças democráticas poderá impedir a marcha-à-ré que interesses obscuros tramam para o futuro próximo. Na quarta-feira que vem ela será submetida a outro teste. Cumpre agir rapidamente.

14 comentários:

  1. Sergio, desta vez estamos em posição muito diferente. Não vi uma só crítica à posição tendenciosa dos tribunais, nem aos pronunciamentos de altas patentes.
    Você sabe que nunca fui nem cogitei entrar para o PT. Sempre o considerei exclusivista, as alianças tendo que ser sempre dos outros apoiando o PT e nunca o contrário.
    Sem entrar nos aspectos legais, nós dois nem advogados somos, há expressivos juristas discordando da perseguição ao Lula. Coloquei na rede, entre outros, o depoimento do Dr. Batochio, de notório saber, sobre a questão do triplex que me parece irrespondível. Estranho que, em nenhum momento você tenha visto tendenciosidade na posição da "Justiça".
    Lula, a meu juízo, está sendo perseguido pelo que fez de bom e não por seus erros, que não foram pequenos. Nunca fui lulista mas não posso desconhecer os avanços que os mais pobres tiveram no Governo Lula. E os mais pobres sempre foram das principais preocupações de nós dois, entre tantos outros companheiros. Os muito ricos e setores da classe média não receberam bem as indiscutíveis conquistas dos setores mais carentes.
    Quanto ao discurso do Lula, eu o achei de excepcional competência, feito num momento de rara tensão e conseguindo dar uma resposta justa, ponderada a uma posição injusta.
    Felizmente, ao contrário de 1964, está havendo firme resistência ao avanço do golpe em direção ao fascismo. Espero que você esteja preocupado com os pronunciamentos inaceitáveis de altas patentes. Isso não acaba bem.
    Olhando de uma maneira mais geral a conjuntura, estou convencido de que o Império, e a meu juízo o Império ainda existe, não aceitou a aproximação do Brasil com os BRICS, além de exigir alteração da posição do Governo Lula sobre o pré-sal, o que já foi feito. Essa foi das principais razões do golpe. Além, é claro, da retirada de conquistas da Revolução de 30. Estamos andando décadas para trás.
    O triplex é detalhe nisso tudo.
    Abraços fraternos,
    Raymundo de Oliveira

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    1. Resposta sóbria e coerente. Parabéns Raymundo Oliveira.

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  2. Querido Sergio, Eu estou mais afinado com o Raymundo. Creio que Lula é a principal ameça ao projeto ultraliberal de diminuição do valor da força de trabalho, desmonte dos instrumentos da intervenção do Estado na Economia, entrega dos recursos naturais para o capital internacional e alinhamento a política externa os Estados Unidos. Os confrontos vão se acirrar. Nao tenho dúvidas de que existe interesse dos EUA por trás da operação lava Jato e de figuras como o Moro e Dallagnol(este ja tentou até legislar com as tais 10 medidas)São inúmeros os excessos cometidos pelo poder Judiciário e Ministério Público. O cerco foi feito com o congresso, executivo e judiciário. Não tenho dívidas até da recente série Mecanismo da Netflix, como mais um ingrediente. Me assusta os riscos desta nossa frágil democracia, com as constantes declarações de generais.Hoje mesmo ouvi mais uma
    Grande abraço

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  3. Esqueci de me identificar Alcides Lyra Lopes

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  4. Na minha opinião, o companheiro Raymundo está equivocado. Posição tendenciosa dos tribunais? Então todas as instâncias estão combinadas para punir o Lula? Todos conhecemos bem quem é, e como se comporta o Lula diante de questões éticas.

    Advogados, pois, no meu entender, jurista é outra coisa, pagos a peso de ouro, de um dinheiro que não se sabe de onde vem, lutam obstinadamente para manter a impunidade para denunciados e, até mesmo, condenados. Apoiados, nessa batalha, por ministros do STF, que se comportam como uma casta de nobres de um Império falido.

    A lenga-lenga de Lula governou para os pobres não se sustenta. Dados do Ipea comprovam que a desigualdade no Brasil permanece, mesmo após 13 anos de lulopetismodilmismo. A responsabilidade pela crise econômica que resultou em 14 milhões de desempregados tem nome e sobrenome: Dilma Rousseff. Uma incompetente, preponte e autoritária inventada por um dedazo de Lula.

    No entanto, empreiteiras e bancos fizeram a festa. O sistema financeiro permanece se beneficiando, e por conta da Lava Jato, as empreiteiras tomaram um tranco.

    A quase destruição da Petrobrás, a farra corrupta das empreiteiras, em especial a Odebrecht, levadas pela mão de Lula pela América Latina e África, num rastro de dinheiro sujo. O uso absurdo do Bndes privilegiando "empresas amigas". Estas "conquistas" são do lulopetismo.

    No meu entender, a luta agora não é para soltar o Lula; sim, para prender Temer, Aécio, Sarney, Jader Barbalho, Renan e quem mais estiver envolvido com corrupção, que afronta a sociedade. Corrupção não pode ser uma bandeira da direita. Os democratas têm que lutar contra ela, pois, sabemos o custo que é para o povo.

    Um abraço,

    Marcus Miranda

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    1. Marcus Miranda, parabéns. A opinião mais coerente e realista.

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  5. Caro Raymundo
    Em primeiro lugar repito algo que afirmamos toda vez que divergimos: isto não abalará nossa amizade. Você sabe que minhas divergências com o PT não se limitam a este episódio, nem à política; elas vão mais fundo, entram no terreno da ideologia, da filosofia. Parafraseando Lênin diria que ele padece de algo parecido com a “doença infantil do esquerdismo” agravado , no caso brasileiro, pelo populismo. No caso em pauta, tendo em vista que Blog não comporta textos longos, escrevi aquilo que achei pertinente. Estamos juntos no terreno da defesa da democracia pois entregamos o melhor de nossas vidas na luta contra a ditadura.

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  6. Excelente texto, Sérgio.

    Meus parabéns, especialmente a crítica ao discurso do Lula.

    Fiquei horrorizado com tamanha irresponsabilidade e total distanciamento da realidade.

    E ainda pensar que muitos companheiros formados no marxismo e no socialismo científico continuam acreditando na narrativa do PT e do Lula.

    As eleições de outubro que poderão ficar polarizadas entre o Lula e seu candidato de um lado, e Bolsonaro do outro, ambos antidemocráticos, populistas e demagogos, embora de sinal trocado, são um enorme desafio para as forças democráticas, a esquerda e à direita, em razão da dispersão em um grande número de candidatos deste campo, que poderão ter enormes dificuldades para passar ao segundo turno.

    Me parece um desafio, utilizando o bordão “lulista”, nunca antes vivido neste país, particularmente pelas forças da esquerda democrática.

    Forte abraço,

    Luiz Antônio Martins (Gato)

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  7. Valeu , Luiz Antonio. Nós já saímos de outras piores, inclusive com risco de vida e tortura. Abraço forte. Sergio Moraes

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  8. Sergio Gonzaga de Oliveira19 de abril de 2018 às 15:41

    Caros amigos

    Pelo que entendi existem no Brasil, desde muito tempo, duas categorias de cidadãos perante a Justiça. Os primeiros, ou mais precisamente os últimos, são os que estão presos sem sequer ter condenações em primeira instância. São cerca de 40% da população carcerária nacional. No Amapá, segundo cadastro atualizado pelo Conselho Nacional de Justiça, são inacreditáveis 83% dessa população (Valor Econômico, 12.04.2018, pág. E1). Pretos, pobres e prostitutas.

    No topo estão os que gozam de foro privilegiado. Só podem ser condenados por tribunais superiores. Não são poucos. Cerca de 55 mil "autoridades" estão nessa situação. Se isso não bastasse, a proibição da prisão até o julgamento em 4ª instância, inserida na Constituição, dá aos ricos e poderosos essa mesma imunidade. Isto porque os tribunais superiores tem necessariamente baixa capacidade para julgar crimes comuns. Nos crimes de colarinho branco as condenações são raras. A prescrição e a impunidade é a regra. Na prática duas castas se formaram. Os que não têm nenhum direito e os inatingíveis pela Justiça. Os mais antigos talvez se lembrem de um pequeno livro do Dr. Osny Duarte Pereira, cujo título é bastante explícito: "Quem faz as leis no Brasil?".

    Entretanto, desde 2016, com o entendimento do STF de permitir a prisão a partir do julgamento em 2ª instância, criou-se a possibilidade de reduzir a impunidade para os que dispõem de recursos financeiros e bons advogados. Esse entendimento é precário, já que foi adotado por uma maioria muito frágil (6 x 5 votos). A velha oligarquia se movimenta freneticamente para reverter a decisão. O que eu lamento Raymundo é que, por conta de seus erros, ou "malfeitos" como diria a Dilma, líderes de um importante partido de esquerda estejam com seus destinos atrelados aos interesses de certa elite rica e corrupta que pretende e consegue se colocar fora do alcance da Justiça.

    Enfim, me parece que manter a possibilidade de prisão em 2ª instância, reduzir drasticamente o foro privilegiado e aumentar a eficiência da Justiça sejam passos em direção a uma sociedade mais justa e republicana.

    Abraços, Sergio Gonzaga

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  9. Caro Sergio Gonzaga
    Seu comentário é primoroso.Abrs. Sergio mOraes

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Querido Sergio, gostei muito do seu texto. Há algo nele que está nos faltando neste debate desses tumultuados dias: serenidade. E o que os franceses chamam de "clarté", luz, luminosidade. Li, um dia desses, um texto do Milan Kundera sobre política e amizade e o achei de uma sabedoria superior. O Milan diz que é preciso separar, hoje, o ideal político da amizade. A amizade flutua por cima de tudo. Comentei-o com um amigo que pensa radicalmente diferente de nós lá pelas bandas daquele infantilismo de que você fala. Ele achou o texto do Kundera magnífico. É claro que se aplica ao caso aí do pensamento do nosso Raymundo e de outros companheiros que têm uma visão diferente da nossa. Como você, a minha questão com o PT é de fundo filosófico, muito antes do que ideológico, se isso puder se colocar assim. Mas, nas diferenças devemos preservar a amizade que foi forjada em anos e anos de ilusões perdidas e refeitas um par de vezes. É o caso do nosso querido Raymundo. Concordo com você de que o que importa é levarmos a nossa frágil democracia para frente, chegar às eleições, e aceitar o que o povo brasileiro decidir. Não acredito que haja condições, hoje, para atalhos autoritários, por diversas razões. E, assim, continuar a luta, dentro da democracia, para melhorar esse mundo que anda muito confuso. Ainda bem que temos um porquê lutar. Se não o tivéssemos, a vida nos seria insípida.

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  10. Querido João Cesar: sua abordagem é , além de correta, emocionante. Coisa de poeta. Grande abraço.Sergio Moraes

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