Homo Deus não

Sergio Augusto de Moraes
Dezembro 2018
A Companhia das Letras publicou em 2016 o livro “Homo Deus - Uma breve história do amanhã” de Yuval N. Harari, o mesmo autor do bestseller “Sapiens - Uma breve história da humanidade”, já comentado neste blog. Nesse último livro o autor tenta traçar, em 400 pgs, as alternativas que a humanidade tem pela frente, numa projeção que varia de algumas décadas ao fim do século XXI, portanto algo que os leitores mais jovens poderão conferir nos anos vindouros.
O livro tem qualidades, a destacar a preocupação com o futuro da humanidade a médio e longo prazo, uma exceção à enxurrada de imediatismo derramada por centenas de outros de inspiração puramente neoliberal. Em várias outras ocasiões ele dá informações interessantes sobre o mundo atual. Mas isto é pouco diante dos tropeços em que ele incide.
Depois de uma longa, duvidosa e elitista digressão sobre a “Revolução Humanista”, onde ele se aventura numa análise tosca do socialismo, Harari se apoia em Marx, Engels e Lenin para afirmar: “ Até os mais ferrenhos críticos de Marx e Lênin adotaram sua posição básica em relação à história e à sociedade e começaram a pensar sobre tecnologia e produção muito mais cuidadosamente do que sobre Deus e o céu. Em meados do século XIX, poucas pessoas foram tão perceptivas quanto Marx, por isso só uns poucos países passaram por um processo rápido de industrialização. Foram esses países que conquistaram o mundo”(p.277).
Harari está se referindo aos países de capitalismo avançado, como a Grã-Bretanha, que por isso dominaram outros como a Índia e o Sudão.
Marx, Engels e Lenin tremeriam na tumba se pudessem ouvir tal diatribe. Eles estudaram e escreveram sobre o capitalismo a partir de fatores histórico-sociais revelando suas contradições, para superá-lo e não para fornecer a outrem “percepções” semelhantes às que serviram de instrumento para a dominação de outros países “atrasados”.

Defender o indefensável


Miriam nos traz uma bela contribuição ao revelar alguns lados do escuro período que Bolsonaro insiste em dizer róseo. Em acréscimo poderia talvez ser dito que não só a negação do passado mas principalmente a sua distorção sempre serviu a fins escusos, estranhos à democracia. A seguir o artigo. 

Negar o passado como arma política*

Miriam Leitão
Dezembro 2018
Nos últimos dias, ficou mais difícil a estratégia que tem sido usada pelo presidente eleito e seus apoiadores de negar o passado recente da história brasileira. Os 50 anos do AI-5 foram uma pauta obrigatória porque o Ato Institucional revirou a vida do país, impactou a imprensa, a produção cultural, levou à morte centenas de pessoas, e milhares à prisão e tortura. É fato marcante que completa meio século. Muitos contemporâneos permanecem vivos para contar como a história foi.
As frequentes declarações do presidente eleito, Jair Bolsonaro, de que não houve ditadura seguem um padrão conhecido. A negação sempre foi arma política e usada por qualquer campo, e muito útil para esconder os crimes de períodos autoritários. Lembrar as datas, por sua vez, é parte do conjunto de vacinas contra a repetição dos mesmos erros. Tentações autoritárias sempre espreitaram a democracia.
O brilhante advogado Técio Lins e Silva era um jovem concluindo o curso de Direito e não pôde colar grau. A festa foi impedida pelo AI-5, que fechou o Teatro Municipal. Qual o problema de uma turma da icônica Faculdade Nacional de Direito fazer seu congraçamento? Qual o risco que representa o histórico Teatro Municipal? O Ato Institucional espalhou abusos e irracionalidades.
Em um artigo escrito recentemente, ainda não publicado, a escritora Heloisa Starling busca Hannah Arendt e o livro “As origens do totalitarismo” para lembrar como a negação da verdade é arma conhecida. “A mentira, diz Arendt, consiste em negar, reescrever e alterar fatos, até mesmo diante dos próprios olhos daqueles que testemunharam esses mesmos fatos”, escreveu Heloisa.
Então não há inocência nas declarações sequenciais dadas pelo presidente eleito e seu grupo. “Não houve ‘ditadura militar’ no Brasil! Mentiram para você, jovem!”, escreveu Bolsonaro em um twitter. Em entrevistas: “Foi uma intervenção democrática”, “o povo brasileiro não sabe o que é ditadura ainda”. São abundantes, frequentes, disseminadas.
Os dados e os fatos também são abundantes. A imprensa trouxe algumas estatísticas nos últimos dias. O “Estado de S. Paulo” contou que foram 950 peças de teatro censuradas, 500 filmes, 500 letras de música. E se quiserem mais números, houve 400 mortos, 20 mil torturados, 7.000 exilados. O Congresso foi fechado duas vezes após o Ato.
Há o cotidiano daquele tempo que foi o mais duro dentro da ditadura, a década da vigência do AI-5. Quem conta é Técio:
— Qualquer pessoa que tenha um mínimo de conhecimento da vida sabe o que é não ter habeas corpus. Impedir que o advogado possa se valer desse instrumento extraordinário para conter a violência e o abuso de poder. A primeira coisa que o AI-5 fez foi suspendê-lo, e tínhamos que ser advogados na Justiça Militar sem habeas corpus. Quando ouvíamos de uma autoridade militar que aquele preso era um ‘perigoso subversivo’ já era um salvo-conduto para a vida, porque quando diziam ‘não tem ninguém aqui com esse nome’, aí as coisas eram muito duras, porque era sintoma de que aquela pessoa corria risco de desaparecer.
Rubens Paiva desapareceu no dia 20 de janeiro de 1971. Sem acusação formada, sem militância, o empresário e ex-deputado foi preso pela Aeronáutica, entregue depois ao Batalhão da Polícia do Exército na rua Barão de Mesquita, na Tijuca. Nunca mais foi visto. Sua mulher Euníce Paiva começa então um doloroso, longo e impressionante processo de superação. Ela, uma dona de casa com cinco filhos, sem qualquer envolvimento político, ao sair da prisão, onde esteve por alguns dias, inicia uma luta em várias frentes. Cria sozinha os cinco filhos, volta à Universidade, faz Direito, integra-se à luta das famílias de desaparecidos políticos, vira uma das líderes do movimento da Anistia e das Diretas. Eunice morreu na quinta-feira, 13 de dezembro, no dia em que o AI-5 fazia 50 anos, numa coincidência simbólica.
Para a direita brasileira seria mais inteligente governar defendendo valores democráticos e implantando políticas públicas nas quais acredita. Mas a direita que chega ao poder prefere defender o indefensável daquele regime e, assim, se misturar ao pior dele. A negação do passado sempre foi arma política. O difícil é entender com que objetivo é usada agora e que vantagem traz para o governo Bolsonaro.
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(*) Publicado originariamente em "O Globo" - 16/12/2018 

Mulher e cidadã?

"É o quinto país do mundo em morte violenta de mulheres. Doze crimes de ódio contra mulheres é a média diária no Brasil. O número de estupros em 2017 chegou a 60 mil, crescimento de 8,4 % acima do ano anterior. Números oficiais existem porque há décadas as mulheres brasileiras lutam para serem cidadãs. Graças a elas, temos a Lei Maria da Penha. Continuarão a lutar, apostando na democracia brasileira e no Estado laico. O massacre contra elas desafia a sociedade, o governo e a ministra".
Rosiska Darcy de Oliveira

A ministra e as mulheres*

Rosiska Darcy de Oliveira**
Dezembro 2018
Eleito em pleito democrático, o presidente Bolsonaro, no uso de seu direito, escolheu uma pastora da Igreja Quadrangular, Damares Alves, para a pasta que cuidará de Mulheres, Família e Direitos Humanos.
A ministra tem opinião formada sobre o que é ser mulher: “A mulher nasceu para ser mãe e o homem protetor, cuidador e provedor”. De que mulheres e homens está falando?
Será ministra de um país em que mulheres ocupam a metade do mercado de trabalho, a natalidade vem caindo sem nenhum programa de planejamento familiar, por livre escolha das mulheres. O aumento da escolaridade abriu para elas outros horizontes, o que não significa que não criem os filhos que têm com dedicação e amor. O número de lares brasileiros chefiados por mulheres saltou de 23% para 40% em 20 anos segundo os dados do Ipea.
A ministra quer um país sem aborto e diz que não tratará do assunto. No Brasil, os abortos clandestinos são mais de um milhão por ano, refletindo uma política de prevenção precária e um tempo em que as mulheres exercem a liberdade de decidir quando querem ser mães. Um país sem aborto seria o resultado da eficácia mágica de uma politica pública ou da repressão que punisse o aborto como crime, na contramão de um mundo em que a maioria das democracias ocidentais já o descriminalizou?
“No Brasil, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos. A cada sete uma sofre violência doméstica. Esses são os números oficiais. E as que não denunciam? É uma nação que machuca as mulheres”. Tem razão a ministra, machuca e mata. É o quinto país do mundo em morte violenta de mulheres. Doze crimes de ódio contra mulheres é a média diária no Brasil. O número de estupros em 2017 chegou a 60 mil, crescimento de 8,4 % acima do ano anterior.
Números oficiais existem porque há décadas as mulheres brasileiras lutam para serem cidadãs. Graças a elas, temos a Lei Maria da Penha. Continuarão a lutar, apostando na democracia brasileira e no Estado laico. O massacre contra elas desafia a sociedade, o governo e a ministra.
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  (*) Publicado originariamente em O Globo 10/12/2018
(**) Escritora e membro da Academia Brasileira de Letras



Pra virar o jogo

"É hora de recolher os cacos, identificar as raízes dos nossos erros, da autocrítica impiedosa quanto aos rumos equívocos em que nos deixamos enredar e ameaçam pôr sob risco nossas conquistas democráticas". Porque sem isto não conseguiremos enfrentar e derrotar esse grupo nefasto que a partir de janeiro toma posse no Poder Executivo. É esta a trilha percorrida por Werneck Vianna neste novo artigo, “Bye bye, Brasil?”em seguimento ao anterior já postado neste Blog. Mãos à obra.
Luiz Werneck Vianna

Bye bye, Brasil?*

Luiz Werneck Vianna**
Bye bye, Brasil, querem nos embarcar para uma terra nova – por ora, está difícil de evitar – sem reinações de Narizinho, sem Jubiabá, sem um catolicismo gordo e compassivo, sem o culto da cordialidade, sem o jagunço do Euclides da Cunha e os retirantes de Graciliano, o abolicionismo do Nabuco, sem Gilberto Freyre, sem a Coluna Prestes, até sem a Petrobrás e o Banco do Brasil, sair assim, com as mãos abanando e as cabeças vazias. O embarque deve ser imediato, para que nós, que mal conhecemos o liberalismo, num país onde jamais o capitalismo foi uma ideia popular, passemos direto ao neoliberalismo e ao culto da teologia da prosperidade, glória a Deus.

O ataque à Constituição é velado

"No cerne do texto constitucional, entretanto, vige o princípio da solidariedade, antípoda desde E. Durkheim, das concepções utilitaristas, alvo oculto das campanhas bolsonaristas em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, acompanhando a orientação da candidatura presidencial e do seu principal consultor econômico de explícita adesão ao ideário do neoliberalismo....(Na Constituição de 88)...a solidariedade foi elevada a princípio fundador da República, com o mesmo estatuto dos princípios da liberdade e da igualdade, conferindo caráter público à previdência social, que ora muitos dos atuais eleitos querem deslocar para a dimensão do mercado".(Luiz Werneck Vianna, em seu artigo mensal no Estadão, "A hora dos intelectuais", 4/11/2018).
Segue o artigo*.
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Luiz Werneck Vianna

A hora dos intelectuais

Luiz Werneck Vianna**

O martelo está batido. Começamos uma nova história sem uma idéia na cabeça, condenados em meio às trevas a tatear em busca de um caminho para uma sociedade que se perdeu de si mesma, do seu passado e de suas melhores tradições, tanto nas elites como nos setores subalternos. É hora de recolher os cacos, identificar as raízes dos nossos erros, da autocrítica impiedosa quanto aos rumos equívocos em que nos deixamos enredar e ameaçam pôr sob risco nossas conquistas democráticas. Trata-se de uma derrota política levada a efeito no campo do processo eleitoral, terreno que sempre identificamos como propício ao avanço dos temas sociais e das lutas pela igualdade, e cuja expressão quantitativa ainda mais denuncia a sua gravidade e o alcance de suas repercussões.

Os 101 anos da revolução russa e o capitalismo em transformação

Alfredo Maciel da Silveira
Sergio Augusto de Moraes
Novembro - 2018
Ao nos defrontarmos com a busca das vias de superação do capitalismo neste século, tateando o terreno movediço do presente e vislumbrando tendências do futuro, seria um erro não ter em conta a recente experiência histórica do século XX.
O grande marco histórico do século XX foi a revolução russa de 1917, que completa 101 anos neste dia 7 de novembro.
A propósito trazemos citação do artigo de Sérgio Augusto de Moraes, “A Revolução Russa de 1917 – Erros, Acertos e Ensinamentos”, uma das publicações deste blog no ano passado por motivo do centenário daquela revolução. A partir daquela experiência histórica o autor descortina e põe em debate questões para a construção de um futuro socialista:
Qualquer observador no século XXI não terá dificuldades para encontrar críticas, umas poucas sérias mas em geral descabidas, sobre o que se fez na URSS entre 1917 e 1991. Difícil é encontrar alguém que aponte seus êxitos e ensinamentos fundamentais para quem pensa em construir um futuro não capitalista: a revolução socialista não pode abrir mão da democracia mais avançada, ela só poderá se desenvolver em uma série de países de capitalismo de ponta cuja força seja capaz de impedir seu sufocamento pelo que restar de capital internacional, ela deverá se apoiar nas classes e camadas que já tenham desenvolvido uma forma de viver internacionalista, o planejamento e a distribuição da produção e do lazer deverá ser obra de toda a sociedade, um novo tipo de ética entre o homem e a natureza deverá abrir espaço, etc, etc. São incontáveis os ensinamentos que se pode tirar dos erros e dos acertos da Revolução de 17 e da construção da URSS.
Permeando as questões acima citadas há que se ter em conta as transformações que o capitalismo sofreu desde meados do século passado e que, com o fim do chamado “socialismo real” ganharam uma velocidade estonteante; referimo-nos em particular às alterações no mundo do trabalho e da cultura tais como a automação, a globalização, as formas de aprendizado, etc.
Na verdade, desde fins do século passado assiste-se à confluência de dois processos. Ao processo inovativo, característico do secular capitalismo industrial e plenamente institucionalizado em sua fase monopolista, superpõe-se a onda devastadora do novo “capitalismo da informação” (na acepção analisada por Tessa Morris-Suzuki[1]), a deslocar o foco da produção de bens para a da produção de conhecimento.
A partir do último quarto daquele século deflagrou-se a larga onda de revolução tecnológica que prossegue em nossos dias, a refazer toda a base produtiva, os meios e formas de vida humanas, a estrutura social e o ambiente cultural. Na produção e nos serviços ao nosso redor, inclusive na vida doméstica, assiste-se à introdução da robótica e da chamada “inteligência” artificial, a apontarem tendência à automação radical da produção de bens e serviços e com esta a eliminação do trabalho vivo material nas linhas de produção e no setor terciário, tal como historicamente vicejou sob o clássico paradigma do capitalismo do século XX.
Prossegue e exacerba-se o processo inovativo, inclusive aquele inerente à própria onda de destruição criativa da revolução tecnológica, centrado em atividades nas quais a energia humana vertida em trabalho desloca-se intensamente do campo material para o imaterial (como exemplos deste, as atividades de planejamento, pesquisa, projetos, etc.). Mais importante do que a tendência à automação, a novidade é trazida pela revolução informacional contemporânea. A escala e abrangência generalizada e pervagante adquirida pelo conhecimento como insumo da produção, e as diversas peculiaridades econômicas e morfológicas deste insumo, seja como bem livre, seja como mercadoria,traz a debate as mutações do sistema produtivo e das relações de produção, reiterando antigas questões sobre as formas de apropriação do valor criado, e da distribuição da renda e da riqueza social.
Note-se que em sua evolução, as categorias do conhecimento e da informação tornam-se “irmãs siamesas” porquanto em regra geral, a circulação da primeira é necessariamente mediada pela segunda.
Em seus dois artigos seminais dos anos 80[2] a citada autora realça que a verdadeira essência das transformações então em curso nos anos 80 não estava simplesmente na tendência à automação, mas sim na passagem da produção de bens para a de conhecimento-informação como mercadoria.
A autora analisa em profundidade a existência de amplo estoque de conhecimento social livre, portanto sem um preço, cuja apropriação desigual pelo poder assimétrico das grandes empresas permite-lhes a produção de novos conhecimentos, estes sim de caráter privado e destinados a venda no mercado, portanto mediante um preço.
Ao longo de todo o seu artigo, a autora problematiza os limites da teoria marxista tradicional do valor-trabalho para dar conta dessas condições contemporâneas em que parte significativa dos lucros provem da produção e venda da mercadoria conhecimento, tendo por insumos outros conhecimentos socialmente gerados desde fora do trabalho direto na linha de produção. Remete-se inclusive ao Marx dos “Grundrisse”, que antevia um mundo da exploração da força de trabalho social, generalizada, e não mais a dos trabalhadores diretamente no processo produtivo.
Por essa linha de argumentação a autora chega ao ponto central de sua tese das mutações que conduziram a um “capitalismo da informação”, onde há esferas de exploração de valor criado pelo trabalho para alem do circuito de produção. E sumariza:[3]
(…)O capitalismo, em outras palavras, é um sistema dinâmico, capaz de assumir muitas distintas formas em diferentes contextos históricos. O capitalismo industrial, baseado na exploração direta da força de trabalho industrial, é transmutado pelo processo de automação num novo sistema onde a exploração crescentemente abrange todos aqueles envolvidos na criação do conhecimento social e sua transmissão de geração a geração. Contra a idéia de uma sociedade pós-industrial ou “sociedade da informação”, que teria se tornado pós-capitalista de forma espontânea e indolor nós podemos contrapor a idéia de “capitalismo da informação" onde altos níveis de automação e informatização da economia coexistem com novas e alargadas esferas de exploração das maiorias pelos poucos.

Na parte final da exposição a autora analisa em mais detalhe:
1)o conhecimento social como fonte de lucro privado;
2)as relações de trabalho que asseguram o controle da informação pelas grandes corporações privadas e, finalmente;
3) o novo contexto social que deve embasar a ação política transformadora.

Eis um vislumbre da contribuição que nos trouxe Tessa Morris-Suzuki para a compreensão do capitalismo contemporâneo à luz do método de Karl Marx.
Assim como ela outros intelectuais com formação semelhante têm contribuído para, como dissemos acima, vislumbrar as tendências do futuro e tecer as malhas de uma nova sociedade.
Portanto, com a herança crítica da revolução russa e dos pioneiros do século XIX, e tendo presente que o conhecimento se completa e avança pela prática daquela ação política transformadora,... “mãos à obra”!
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[1]Tessa Morris-Suzuki, New Left Review, I/160, Novembro-Dezembro 1986.
[2] O artigo já referido de 1986, dera sequência ao debate suscitado pelo primeiro artigo, de 1984: “Robots and Capitalism”, New Left Review 147, setembro/outubro, 1984.
[3] Tradução dos autores, do original em inglês.

Novo Tempo

No novo tempo, apesar dos perigos

Da força mais bruta, da noite que assusta, estamos na luta
(...)
Pra que nossa esperança seja mais que vingança

Seja sempre um caminho que se deixa de herança
Leila Pinheiro e Ivan Lins
Ivan Lins
Vitor Martins
No novo tempo, apesar dos castigos
Estamos crescidos, estamos atentos, estamos mais vivos
Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer
No novo tempo, apesar dos perigos
Da força mais bruta, da noite que assusta, estamos na luta
Pra sobreviver, pra sobreviver, pra sobreviver

Pra que nossa esperança seja mais que vingança
Seja sempre um caminho que se deixa de herança
No novo tempo, apesar dos castigos
De toda fadiga, de toda injustiça, estamos na briga
Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer

No novo tempo, apesar dos perigos
De todos os pecados, de todos enganos, estamos marcados
Pra sobreviver, pra sobreviver, pra sobreviver
Pra que nossa esperança seja mais que vingança
Seja sempre um caminho que se deixa de herança

No novo tempo, apesar dos castigos
Estamos em cena, estamos nas ruas, quebrando as algemas
Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer
No novo tempo, apesar dos perigos
A gente se encontra cantando na praça, fazendo pirraça
Pra sobreviver, pra sobreviver, pra sobreviver
Pra que nossa esperança seja mais que vingança
Seja sempre um caminho que se deixa de herança

Para salvar a democracia

Sergio Augusto de Moraes
Alfredo Maciel da Silveira
Outubro-2018
Já no dia seguinte ao 1º turno das eleições publicamos aqui no Blog, sob o título “Pela Democracia” o chamamento por uma Frente Democrática em defesa da democracia que os brasileiros amplamente desejam mas que se encontra ameaçada. Dizíamos:
"Para garanti-la a alternativa seria Haddad propor um “Pacto pela democracia” e um governo de “Frente democrática”, com a participação de outras forças e partidos democráticos e um programa mínimo de respeitar a Constituição de 88, garantir o prosseguimento da Lava-Jato, manter o equilíbrio fiscal, incorporar uma atitude republicana na relação com os outros poderes e incluir as principais medidas sociais e econômicas do primeiro Governo Lula".
Democratas de vários quadrantes ainda resistem à proposta, não se dando conta da força que aquele pacto teria entre as forças democráticas, no limite conquistando até mesmo eleitores democráticos que correram para Bolsonaro no 1º turno com medo da “volta do PT”. Desta forma a candidatura Haddad já não  seria apenas do PT mas de uma amplíssima Frente que expressaria os verdadeiros anseios democráticos da maioria do povo brasileiro.
Dadas suas dificuldades, já que tal iniciativa deveria caber a Haddad, tal proposta suscita ceticismo e mesmo ganha adversários; mas, como é a alternativa mais viável para evitar a vitória da direita golpista ela ganha corpo. Logo em seguida no dia 11, o diplomata Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington (1991-1993) e Roma (1995); ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda (1993-1994 e 1994, governo Itamar) publicara na Folha de São Paulo artigo em defesa da Frente Democrática aprofundando as suas razões nesta hora decisiva para a democracia no Brasil. Se para Haddad e o PT a democracia vale mais que seus interesses partidários Ricupero será considerado.
Segue o artigo de Ricupero.
Rubens Ricupero - Foto de Marlene Bergamo - 2017

O Dever dos Neutros
É preciso lutar por uma Frente democrática

"Entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível". Rui Barbosa (1849-1923) pronunciou essas palavras em Buenos Aires (1916) no contexto da Primeira Guerra Mundial. Neutralidade, explicava, "não quer dizer impassibilidade: quer dizer imparcialidade; e não há imparcialidade entre o direito e a injustiça".
A clareza da distinção pode ajudar-nos a enfrentar o dilema eleitoral na definição do dicionário: situação embaraçosa com duas saídas difíceis ou penosas. Vejamos em concreto se há diferença entre essas saídas.
Não há lugar, creio, para imparcialidade entre quem quer retirar o Brasil do Acordo de Paris sobre clima e quem deseja honrá-lo. Tampouco sou imparcial entre quem defende a proteção dos ecossistemas tal como prescrito na lei e os que atacam suposta indústria de multas do Ibama contra desmatadores ilegais.
Os mesmos que tencionam suprimir o Ministério do Meio Ambiente e subordiná-lo ao da Agricultura em ótica meramente produtivista, sem olhar as consequências de devastação ambiental e da concentração de renda.
Entre os defensores da Constituição, da democracia liberal, da tolerância, da diversidade, da civilidade na vida política e seus detratores, escolho sem hesitar os primeiros. Coloco-me ao lado dos promotores dos direitos humanos, da prioridade de combater a desigualdade, suprimir a miséria; sou contra os críticos de tais posições.
Prefiro diplomacia que preserve o papel construtivo do Brasil como fator de moderação e equilíbrio no continente e no mundo aos que advogam atitudes que nos isolariam da maioria da humanidade.
Um exemplo é a intenção de Bolsonaro de transferir a Jerusalém nossa embaixada em Israel na ausência de acordo com todos os interessados. Isso nos relegaria a situação ridícula, abaixo do Paraguai, que teve o bom senso de recuar dessa tresloucada ideia.
Entre valores e contravalores não tenho o direito de ser neutro. Darei meu voto ao candidato que encarnar valores absolutos e inegociáveis como os mencionados acima.
Dito isso, penso que o dever dos neutros é ir além do voto e lutar por uma frente democrática que una o mais amplo espectro de opinião possível.
Concordo com os pontos levantados por Celso Rocha de Barros no artigo publicado por esta Folha na última segunda-feira dia 8. Por definição, uma aliança não deve refletir hegemonia de nenhum partido. Tem de acolher a exigência popular de combate à corrupção, ajuste fiscal, responsabilidade no uso de recursos escassos --o que falta no programa do PT, além da autocrítica.
Não se vai ganhar só com o PT e a esquerda. Reconhecer esse fato obriga a ter um programa de mínimo denominador comum que conquiste os moderados.
E, no caso de difícil vitória, dê garantia a todos de que se terá um governo não sectário, pacificador e unificador da sociedade brasileira. 
Rubens Ricupero

Pela Democracia


Sergio Augusto de Moraes
Alfredo Maciel da Silveira
Outubro - 2018
Ontem, dia 7, foi por um triz.
O povo brasileiro demonstrou que não quer outro governo do PT. Só 29% dos eleitores estão a favor de tal governo. Por outro lado, pesquisas recentes indicam que 69% dos brasileiros são a favor da democracia, que seria ameaçada por um futuro Governo de Bolsonaro. 
Para garanti-la a alternativa seria Haddad propor um “Pacto pela democracia” e um governo de “Frente democrática”, com a participação de outras forças e partidos democráticos e um programa mínimo de respeitar a Constituição de 88, garantir o prosseguimento da Lava-Jato, manter o equilíbrio fiscal, incorporar uma atitude republicana na relação com os outros poderes e incluir as principais medidas sociais e econômicas do primeiro Governo Lula.
Tal proposta, feita de maneira clara e não duvidosa, poderia atrair os votos não somente daqueles que votaram em Ciro Gomes, Alckmin ou Marina. Ela iria mais longe podendo ganhar muitos daqueles que votaram em branco ou o anularam e mesmo, no limite, tirar votos que foram dados a Bolsonaro no 1º turno por opção “anti-petista”. 
Difícil. Mas lutar por isto será a tarefa dos democratas.

Temos duas chances


Alfredo Maciel da Silveira
Sergio Augusto de Moraes
Outubro - 2018
A decisão da disputa eleitoral nos últimos dias que antecedem as eleições já aconteceu em vários países. Esta é uma das chances que nos resta.
Como? Já está claro que o candidato em melhores condições de derrotar Bolsonaro num segundo turno é Ciro Gomes. Não só pelos números de rejeição indicados pelas sucessivas pesquisas de opinião como também por suas características políticas, a começar pela composição de sua chapa, claramente de centro-esquerda.
Por este caminho temos duas chances de derrotar a direita golpista. A primeira pela via acima indicada: concentrar votos em Ciro neste primeiro turno. Se ele for para o segundo turno metade da vitória estará garantida por sua baixa rejeição contra a grande rejeição de Bolsonaro. Difícil mas não impossível.
A outra, no segundo turno, caso Ciro não consiga superar Haddad, será muito influenciada pelo primeiro turno. Isto porque, os dois candidatos que forem ao segundo turno terão que negociar com o centro e a esquerda democráticos para serem vitoriosos. E neste caso o cabedal de votos de Ciro poderá ser negociado com Haddad visando um governo de centro esquerda capaz de bloquear os desvios antidemocráticos do lulopetismo.
A hora não é de sonhar, é de pragmatismo. Para reduzir os riscos da nossa jovem democracia.


A Nau dos Insensatos

Setembro, 2018
Posteriormente a este artigo de Marco Aurélio Nogueira, de 2 agosto*, publicado em "O Estado de São Paulo", dois fatos marcantes vieram se somar como fatores explicativos do alarmante crescimento das intenções de voto em Bolsonaro.
1 - A confirmação de Haddad como o candidato de Lula, seguida de indicadores da efetiva transferência de votos deste para aquele, deflagrou entre muitos eleitores antipetistas o “medo” da “volta do PT”, conjugando-se à desesperança nas instituições democráticas, e resultando no apelo à ditadura que Bolsonaro e seu candidato a vice anunciam sem rebuços;
2 – O acidente da facada, em cuja origem está o ódio e a violência que Bolsonaro dissemina, com certeza cometido por um desequilibrado, ajudou outro desequilibrado com a exposição que a mídia deu e tem dado ao fato.
Marco Aurélio Nogueira


Mas permanece muito atual e confirmada pelos fatos  a análise de Marco Aurélio, que se segue.

A nau dos insensatos: falando a sério sobre Bolsonaro

Ele consegue a proeza de unir contra si os democratas (esquerda, liberais e conservadores) e causa repulsa generalizada. Apesar disso, mantém posição de destaque na corrida eleitoral, catalisando descontentamentos, frustrações, ódios, preconceitos e ressentimentos de todo tipo.
Esmerilha uma eficiente demagogia populista. A retórica assusta, pela falta completa de responsabilidade cívica, pelo que vocifera contra a democracia, pelo irracionalismo que espalha pela sociedade.
O capitão da reserva Jair Bolsonaro ameaça passar para o segundo turno, impulsionado por um conjunto de fatores: a fragmentação das esquerdas e do centro democrático, a imagem negativa que sobrou dos governos Dilma, o horror à corrupção e à insegurança, a degradação da política e a exuberante fragilidade do governo Temer. Somados ao desalento que se abateu sobre a população e à confusão ideológica, tais fatores deram-lhe estabilidade e fôlego, ao menos até agora.
Sua função tem sido dupla: fazer o elogio da ignorância e do despreparo, que são por ele “ressignificados” para se converterem em trunfo, e dar corpo a uma direita reacionária e retrógrada que há tempo não conseguia encontrar expressão.
Ele, porém, é um fenômeno mais amplo, de caráter simbólico e cultural. Mostra à perfeição o estado de deterioração política, dissolução ética e miséria educacional a que chegamos. Dá voz à angústia de diversos segmentos sociais, que não são necessariamente de direita e estão integrados por pessoas que perderam a confiança na democracia e na política.
Seus apoiadores são pessoas que querem ver o circo pegar fogo, dar um tranco num sistema que fere suas convicções ou não os beneficia. Optam por uma “radicalização” que desorganize a vida para então reorganizá-la. O caráter misógino, racista e autoritário do candidato não lhes diz respeito, nem incomoda. Também não há qualquer preocupação com eventuais prejuízos derivados de uma vitória de Bolsonaro. Gostam de seu estilo bateu-levou, debochado e arrogante.
A antipolítica é a estrela-guia deles.

Carta do Sertão


A leitura de “Quem ganhou?”, aqui recentemente publicada a propósito da campanha eleitoral, suscitou uma reflexão e uma discussão trazidas por João Cezar Pierobon, com um olhar desde os sertões de hoje em dia, e que vão além da conjuntura imediata. A penetração recente da modernização capitalista no vasto interior do território nacional é vista com otimismo pelo citado autor como portadora da consolidação das instituições democráticas – “não creio nas experiências dos atalhos autoritários do passado, num país, hoje, com mais de 200 milhões de habitantes”. Segue a carta de Pierobon.
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João Cezar Pierobon*
Agosto 2018
Conforme o artigo “Quem ganhou?”, de Sergio Moraes, neste blog, concordo que houve sim uma mudança na atmosfera. É inegável isso. A nossa imprensa livre tem contribuído muito para esse ambiente pelos debates. Alguns até mesmo antes do registro das candidaturas no TSE. Começamos a falar em política, em escolhas. Começaram as pesquisas de opinião. Tudo democraticamente. Tudo com os três poderes constitucionais funcionando. E, assim, creio que chegaremos às eleições. E serão elas é que vão resolver a questão. Não sei se haverá mudanças nos “blocos de poder tradicionais". Mas, é melhor isso do que nada e "sonhos com soluções rápidas e autoritárias." Acho que o Brasil, por ser uma economia capitalista forte, (aceito qualquer dúvida quanto a isso), vai caminhando assim com o seu Estado de direito democrático. Falo pelo meu Estado de Goiás. Se você for a Rio Verde, um município goiano, que é muito forte no agro negócio, forte mesmo, e imaginar todos os Rios Verdes do Brasil, passando pelo interior de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, os dois Mato Grosso, o Chapadão Ocidental da Bahia, o sul do Maranhão e Piauí (isso mesmo, a imprensa ignora isso), os perímetros irrigados às margens do São Francisco, ao Sul de Minas - tudo isso cheira a negócios, a capitalismo, a livre competição - tudo cheira a algo sem volta na história. Somos uma nação capitalista. Alguns podem divergir de mim e respeito isso. Mas a conclusão que chego, vendo esse imenso território interiorano, é que já casamos o capitalismo com o Estado democrático de direito, ou liberalismo. (Alguns se envergonham de falar, assim na lata, isso). Não tenho envergadura teórica para analisar como a história casou capitalismo com o liberalismo; talvez a história da Inglaterra possa dar alguma luz sobre esse enlace. Podemos ter dificuldades, e não poucas, mas é muito difícil desmanchar o que foi construído durante muito tempo. As grandes nações desenvolvidas casaram o capitalismo com o Estado democrático de direito e o seu liberalismo. Há exceções?  Sim. A China, o Império do Meio. E a Rússia. A primeira, uma civilização milenar, vem de impérios milenares, nunca passou por experiências democráticas longas. Uma breve república, lá no século passado, morreu nas ondas da Revolução Chinesa, e pode ser um poderoso ponto fora da curva. A Rússia. Bem, a Rússia. A Rússia sempre foi um império preocupado com a sua segurança, com as suas fronteiras, (vide o recente caso da Crimeia e do leste da Ucrânia) pois cercada por povos "hostis", com problemáticos acessos aos grandes oceanos, cercada por mares fechados, ou oceanos de gelo. Hitler dizia que a  “Rússia queria um mar sem gelo." Até hoje é assim. Não é fácil se sentir como que vedada aos grandes oceanos. Foi desse modo até mesmo nos tempos do socialismo. Nós estamos abertos aos grandes oceanos e isolados no Hemisfério Sul com uma América capitalista hegemônica e democrática, liberal, servindo de exemplo com a sua riqueza, e poder, e com o seu "soft power". Por isso, por essas "divagações", discutíveis, não creio nas experiências dos atalhos autoritários do passado, num país, hoje, com mais de 200 milhões de habitantes. Sempre que me bate um pessimismo, lembro-me de Darcy Ribeiro (no seu O Povo Brasileiro): "estamos construindo um povo novo", uma nova civilização. Vai demorar. É preciso paciência. Não há democracia sem paciência. Sem se aceitar o pensamento divergente. Muito bom o artigo de Sérgio Moraes neste blog Democracia e Socialismo. 
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* João Cezar Pierobon é engenheiro, poeta e musicista, mora em Goiânia, Goiás. Publicou “A crise da música”, neste Blog, em Julho de 2017.


Quem ganhou?


Sergio Augusto de Moraes
Agosto de 2018

Todos os meios de divulgação têm discutido quem ganhou o primeiro debate entre os candidatos a presidente nas próximas eleições. Muitos discutem também quem se saiu melhor na rodada que a Globo News fez, poucos dias antes, entre os principais candidatos.
Não somente isto. Empresas de consultoria rodam em computadores seus modelos matemáticos, fazem pesquisas para detectar as curvas representativas de aprovação ou desaprovação de cada candidato, divulgam cenários e probabilidades de vitória deste ou daquele ou de quem vai para o segundo turno.
Rede Bandeirantes - Debate dos candidatos à Presidência - 9 de agosto de 2018
Poucos se lembram que há alguns meses atrás a dúvida sobre a realização ou não das eleições atormentava a maioria dos democratas. A Operação Lava-Jato atingia quase todos os partidos, provocando uma repulsa generalizada da população à classe política. Neste caldo de cultura um general, apoiado por alguns outros, fazia declarações que prenunciavam uma intervenção das FFAA para por “ordem” no país, obrigando o chefe do exército a intervir de público em defesa das atuais instituições democráticas.
Não era só da direita que provinham os ataques a estas instituições. Desde o impedimento de Dilma Roussef o PT e alguns de seus aliados não poupam esforços para levantar a população contra aquelas, apostando na interrupção do processo democrático previsto em lei e na formação de um outro governo, que atendesse aos seus interesses. Tal esforço atingiu seu ápice em cinco de abril passado quando o ex-presidente Lula tentou montar um bunker no Sindicato de Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, para resistir à prisão decretada pela justiça. E tudo indica que tal projeto, apesar de perder força, continua na agenda do PT.
Porém não há que nutrir ilusões. O eleitorado de classe média e de pequena parcela do empresariado que vota em Bolsonaro faz uso das eleições instrumentalmente. Para eles, a vitória do ex-capitão sinalizaria legitimar uma "intervençãozinha" militar, com uma fachada legal. Ingenuamente, para muitos, seria temporária e "democrática", crença que aliás acontecera em 1964, "contra a corrupção e a subversão", com os trágicos resultados que todos conhecem. Eles já não creem no saneamento do sistema político pelas vias institucionais democráticas vigentes. É por isso que pouco se importam com a flagrante incompetência caricatural do candidato. Não esperam que ele discuta quaisquer projetos racionais para o país.
Mas a resistência das forças democráticas e da maioria da população não permitiu, até agora, que medrassem quaisquer destas alternativas. Particularmente depois do início da campanha eleitoral pela televisão, quando o povo desperta para a política, começa a discutir seus candidatos preferidos, a probabilidade de qualquer solução ilegal reduziu-se muito. E a partir de hoje, com o registro e análise das candidaturas e o começo da campanha de rua, o jogo ficará mais claro.
Até agora quem ganhou não foi nenhum dos candidatos. Foi a democracia.

Com 105 anos ele continua lutando

Antônio Ribeiro Granja acaba de comemorar 105 anos de vida! Vida que fala muito além de si próprio, dedicada a uma organização política enraizada no povo brasileiro em marcha histórica para a democracia.
No artigo que se segue, “Medo do Imprevisto”, o jornalista Luiz Carlos Azedo teve a ventura de unir a sabedoria de Granja à análise da presente conjuntura política.

Medo do Imprevisto*

Luiz Carlos Azedo
Agosto - 2018
“Se algum sabichão lhes disser o que vai acontecer, estará mentindo. Essa eleição é imprevisível!”, disse o velho Antônio Ribeiro Granja, antes de apagar as velas do bolo de aniversário de 105 anos, domingo. Rodeado de parentes, amigos e companheiros que lhe deram apoio na clandestinidade, voltou ao velho refúgio do Faraó de Baixo, localidade de Cachoeiras de Macacu (RJ) cercada de fontes de água mineral, no pé da Serra do Mar.
Integrante do Comitê Central do PCB, Granja escapou de um sequestro em Itaboraí, em 1975, por muito pouco. À época, 18 integrantes do PCB, dos quais 12 do Comitê Central, foram assassinados. Avisado pelo filho, o engenheiro mecânico José Roberto Portugal, então um menino, saiu pelos fundos do sítio quando a equipe de agentes do DOI-CODI estava chegando. “Um deles passou a 20 metros de mim, com a metralhadora nas mãos; eu estava escondido no meio do mato, só com a calça do pijama e descalço.”
Graças àquela região montanhosa e aos antigos hábitos de ex-trabalhador rural, “Seu Chico”, como era chamado na região, driblou seus perseguidores se passando por boia-fria na fazenda Funchal. Depois, foi morar num sítio em Casemiro de Abreu. Foi um dos poucos dirigentes a permanecer no país durante todo o regime militar. De sandália havaiana e chapéu de palha, com as mãos calejadas pelo cabo da enxada, circulava pelo interior do antigo Estado do Rio como um peixe na água. Foi assim que reorganizou o antigo Partidão no interior fluminense e garantiu a eleição dos deputados comunistas Marcelo Cerqueira (federal) e Alves de Brito (estadual), pelo antigo MDB, nas eleições de 1978.
Seu grande mérito foi se distanciar do interesse imediato, no caso, a própria sobrevivência, para compreender o processo político. Granja percebeu, mesmo após as prisões do professor e economista Aírton Albuquerque, chefe do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense, e dos jornalistas Maurício Azedo e Luiz Paulo Santana Machado, logo após o carnaval de 1976, que a situação política estava mudando. Saiu da toca e foi à luta pela liberdade e pela democracia. Seu objetivo imediato era a anistia, a grande missão que confiou a Marcelo Cerqueira como parlamentar.
O Pacote de Abril, baixado pelo presidente Ernesto Geisel com o propósito de conter o avanço das oposições nas eleições municipais de 1976, na sua avaliação, fora uma demonstração de fraqueza. Os fatos confirmaram as previsões do velho dirigente do PCB, que aos 105 anos continua com uma memória invejável, capaz ainda de recitar suas poesias, contar causos da longa militância política e, com fina ironia e grande senso de humor, falar sobre a conjuntura sem dizer as besteiras que circulam com fartura pelas redes sociais.
Granja nunca teve medo do novo. Todas as vezes em que foi necessário, jogou dogmas e concepções ultrapassadas na lata do lixo da história. Fez autocrítica da Intentona de 1935, apoiou o relatório Kruschov, renegou as teses que defendiam a luta armada para lutar contra ditadura e chegar ao poder. Sabia que o PCB flertara com o golpismo em 1964, pois foi testemunha da conversa de Luiz Carlos Prestes com o presidente João Goulart, com Raul Riff, em fevereiro de 1964, quando o líder comunista sugeriu ao presidente deposto que apelasse às massas para fazer as reformas, que anunciou no Comício de 13 de março, sem respaldo do Congresso, em vez de recuar. Granja apoiou a mudança de sigla do PCB para PPS, do qual é o presidente de honra, e guardou no baú de recordações amorosas a velha bandeira vermelha com a foice e o martelo que empunhava desde 1934.
O futuro
O que fazer diante do imponderável anunciado por Granja? Em primeiro lugar, considerar as contingências nas quais ocorrem as eleições deste ano. Uma economia que, bem ou mal, voltou a crescer, mas tem baixo desempenho porque o governo gasta mais do que arrecada. O pior já passou, foi a recessão do governo Dilma Rousseff. Sua “nova matriz econômica” ameaçava transformar o país numa nova Venezuela. Nossas instituições políticas sobreviveram à crise tríplice (econômica, política e ética) que nos levou ao impeachment.
O governo de transição está enfraquecido pelas denúncias de corrupção, mas mantém respaldo no Congresso para levar o país às eleições. O presidente Michel Temer é fleumático e equilibrado, apesar da impopularidade e das denúncias da Operação Lava-Jato. Finalmente, as Forças Armadas se mantêm nos limites estabelecidos pela Constituição, mesmo com a tropa torcendo pela eleição de um ex-militar à Presidência.
O imprevisível faz parte da democracia. Duro seria se tivéssemos eleições de cartas marcadas ou se as mesmas fossem suspensas. Sim, a radicalização política protagonizada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em contraponto com a narrativa autoritária do deputado Jair Bolsonaro cria um quadro de instabilidade institucional, mas as regras do jogo eleitoral podem resolver essa questão. Quem quer que venha a ganhar, terá que lidar com o Congresso e o Judiciário, a imprensa e a opinião pública. E não há alternativa para as forças políticas mais responsáveis que não seja a defesa da democracia, ganhando ou perdendo as eleições.
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SAPIENS - Harari, Marx e Engels

Sergio Augusto de Moraes
Julho 2018

Mesmo se dizendo breve não é fácil escrever a história da humanidade em 400 pgs, como tenta fazer Yuval N. Harari em seu livro “SAPIENS - Uma breve história da humanidade” (L&PM Editores, 2016). Talvez por isto, entre outras coisas, o livro deixa lacunas imperdoáveis. Mas mesmo assim, ao abordar esta história, o autor transmite informações importantes. 

Para atrair o grande público ele usa fórmulas singelas para explicar fenômenos complexos e os fatos sociais surgem naturalmente, como lebre da cartola de um mágico. Se é assim tudo indica que o autor conseguiu seu objetivo, o livro transformou-se num “bestseller” internacional.

Mas se observarmos com mais rigor vemos que Harari cai no ecletismo, no subjetivismo e em omissões inaceitáveis.

Homo erectus africano (homo ergaster), vivido há entre 1,8 e 1,4 milhões de anos
Uma das falhas mais notáveis é sua análise do surgimento do homo sapiens. Ele constata que “os primeiros homens e mulheres, há 2,5 milhões de anos , tinham cérebros de cerca de 600 centímetros cúbicos. Sapiens modernos apresentam um cérebro de 1200 a 1400 centímetros cúbicos”. Até aqui tudo bem, boa informação. Estamos falando do homo-erectus.

Todavia mais adiante afirma que “Por mais de 2 milhões de anos as redes neurais dos humanos continuaram se expandindo, mas, com exceção de algumas facas de sílex e varetas pontiagudas, os humanos tiraram muito pouco proveito disso. Então o que impulsionou a evolução do enorme cérebro humano durante esses 2 milhões de anos? Francamente, não sabemos” (pgs 16 e 17).

Singularmente ele assinala pouco depois que “o caminhar ereto sobre duas pernas, a produção de ferramentas sofisticadas, a domesticação do fogo, a vida em sociedade e um cérebro grande deram vantagens enormes a humanidade”. Então como não sabemos?

Se não nos limitarmos aos quatro fatores acima mencionados e levarmos em consideração as mudanças climáticas, o uso contínuo da alimentação carnívora e particularmente o trabalho com as ferramentas, associados às mutações genéticas, identificaremos os principais impulsionadores desta evolução.

Quando a mutação favorecia a sobrevivência e a reprodução, ela permanecia. Quando não, a descendência era descartada pela seleção natural. Em cada ramo da árvore filogenética os fatores acima mencionados atuaram a curto, médio e a longo prazo. O que ainda não sabemos é como todos eles atuaram. Mas já sabemos da ação de alguns.

Por exemplo, sabemos que as fases de aceleração evolutiva se produziram sob o efeito de eventos climáticos; que o cozimento de alimentos, ao reduzir a demanda de energia e o tempo para a digestão, deixou mais tempo para a caça e favoreceu o crescimento do cérebro, um órgão que exige muita energia. Pelo que vem acontecendo na história, a aceleração das descobertas científicas vai permitir outros avanços na identificação do peso de cada um dos fatores apontados na evolução até o homo sapiens.

Em sua análise Harari não leva em conta a unidade dialética entre quantidade e qualidade, especialmente relevante para compreensão de fenômenos de longo prazo, como é o caso do tempo decorrido entre as mutações genéticas que atuaram neste período de aproximadamente 2 milhões de anos.

Harari continua “... mas mesmo com tais atributos, desenvolvidos durante 2 milhões de anos, os homens ...continuaram  sendo criaturas fracas e marginais”. Até que há cerca de 150 mil anos surge o homo sapiens. Algumas páginas depois ele atribui o salto do homo sapiens ao topo da cadeia alimentar “...à sua linguagem única”(pg 27).  A linguagem foi um fator da maior importância mas há que correlacioná-la com os fatores que agiram durante 2 milhões de anos. Ela evoluiu com eles e é também consequência dos mesmos.

Mais adiante, depois da etapa do homem caçador-coletor, ao constatar que “não existe justiça na história” Harari diz:
“Entender a história humana nos milênios que sucederam a Revolução Agrícola (algo em torno de 12000 anos atrás) se resume a uma única questão: como os humanos se organizavam em redes de cooperação em massa, uma vez que careciam de instintos biológicos para sustentar tais redes? A resposta sucinta é que os humanos criaram ordens imaginadas e desenvolveram sistemas de escrita. Essas duas invenções preencheram as lacunas deixadas por nossa herança biológica”(pg 141).
Depois ele afirma que tais ordens imaginadas nunca foram neutras nem justas e que “todas as distinções mencionadas aqui - entre homens livres e escravos, brancos e negros, ricos e pobres - se baseiam em ficções.”

E continua:
“a Revolução Agrícola certamente aumentou o total de alimentos à disposição da humanidade, mas os alimentos extras não se traduziram em uma dieta melhor ou em mais lazer. Em vez disso, se traduziram em explosões populacionais e elites favorecidas. Em média, um agricultor trabalhava mais que um caçador-coletor e obtinha em troca uma dieta pior. A Revolução Agrícola foi a maior fraude da história. Quem foi responsável? Nem reis, nem padres, nem mercadores. Os culpados foram um punhado de espécies vegetais, entre as quais o trigo, o arroz e a batata. As plantas domesticaram o homo sapiens, e não o contrário”(Pgs 89, 90).
Vejamos o que diz F. Engels a respeito desta Revolução:
“O desenvolvimento de todos os ramos da produção – criação de gado, agricultura, ofícios manuais domésticos – tornou a força de trabalho do homem capaz de produzir mais do que o necessário para sua manutenção. Ao mesmo tempo, aumentou a soma de trabalho diário correspondente a cada membro da gens, da comunidade doméstica ou da família isolada. Passou a ser conveniente conseguir mais força de trabalho, o que se logrou através da guerra; os prisioneiros foram transformados em escravos (antes eles eram comidos ou eventualmente incorporados à tribo). Dadas as condições históricas gerais de então, a primeira grande divisão social do trabalho (entre tribos dedicadas ao pastoreio e as outras) ao aumentar a produtividade deste, e por conseguinte a riqueza, e ao estender o campo da atividade produtora, tinha que trazer consigo – necessariamente - a escravidão. Da primeira grande divisão social do trabalho, nasceu a primeira grande divisão da sociedade em duas classes: senhores e escravos, exploradores e explorados.” (“A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, Ed. Vitória, 1963, pg128).
Aqui Harari, talvez para soar como algo exótico, violenta a história da humanidade, ignora os fenômenos sociais ao atribuir tudo isto a algumas espécies vegetais, destacadamente ao trigo, ao arroz e à batata.

Mas afinal o que move a história da sociedade humana?

Segundo Harari
“Como você faz as pessoas acreditarem em uma ordem imaginada como o cristianismo, a democracia ou o capitalismo? Primeiro você nunca admite que a ordem é imaginada. Você sempre insiste que a ordem que sustenta a sociedade é uma realidade objetiva criada pelos grandes deuses ou pelas leis da natureza... a ordem imaginada está incrustada no mundo material...embora só exista em nossa mente ...e ela, a ordem imaginada é quem ...define nossos desejos”.(pgs 121, 123).
Ao invés da “ordem imaginada” adotada pelo autor, Engels diz que
“...Marx descobriu a lei do desenvolvimento da história humana: o fato tão simples, mas que até ele se mantinha oculto pelo cipoal ideológico, de que o homem precisa, em primeiro lugar comer, beber, ter um teto e vestir-se antes de poder fazer política, ciência, arte, religião, etc; que, portanto, a produção dos meios de subsistência imediatos, materiais, e por conseguinte a correspondente fase econômica de desenvolvimento de um povo ou de uma época é a base a partir da qual se desenvolveram as instituições políticas, as concepções jurídicas, as ideias artísticas e inclusive as ideias religiosas dos homens e de acordo com a qual devem, portanto, explicar-se; e não o contrário, como se vinha fazendo até então..."(“Discurso diante da sepultura de Marx” F. Engels).
Para Marx e Engels
“A história de todas as sociedades até agora tem sido a história da luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, membro das corporações e aprendiz, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em contraposição uns aos outros e envolvidos em uma luta ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou sempre com a transformação revolucionária da sociedade inteira ou com o declínio conjunto das classes em conflito” (“ O Manifesto Comunista 150 anos depois”, ed. Contraponto, 1997, pg 8).
Por ter como guia a tal “ordem imaginada” e não os fenômenos sociais da história da humanidade é que Harari afirma “Mas é um fato comprovado que a maior parte dos ricos são ricos pelo simples motivo de terem nascido em uma família rica, enquanto a maior parte dos pobres continuarão pobres no decorrer da vida simplesmente por terem nascido em uma família pobre” (pg 143). Parece que ser ricos ou pobres é para Harari uma lei da natureza. Aliás o autor mistura as leis da natureza com as da sociedade  sem muito critério.

Seria longo demais analisar as teses de Harari como, por exemplo, a das vantagens que os imperialismos, no decorrer dos tempos, trouxeram aos povos dominados. Seriam necessárias muitas páginas o que não cabe num texto como este.

Por fim dando um salto para o Epílogo do livro encontramos: “Avançamos de canoas e galés a navios a vapor e naves espaciais - mas ninguém sabe para onde estamos indo. Somos mais poderosos do que nunca, mas temos pouca ideia do que fazer com todo esse poder.” (pg 427).

Os opressores, os donos do grande capital, sabem bem o que fazer com “todo esse poder”: aumentar sua riqueza. Eles são poucos. Mas boa parte da humanidade pensa que “todo esse poder” poderia acabar com a fome, reduzir as doenças e as desigualdades entre pessoas, povos e classes sociais. É uma ideia há muito tempo acalentada, pelo menos desde a Grécia clássica.
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