Setembro, 2018
Posteriormente a este artigo de
Marco Aurélio Nogueira, de 2 agosto*, publicado em "O Estado de São Paulo", dois fatos marcantes vieram se somar como
fatores explicativos do alarmante crescimento das intenções de voto em
Bolsonaro.
1 - A confirmação de Haddad
como o candidato de Lula, seguida de indicadores da efetiva transferência de
votos deste para aquele, deflagrou entre muitos eleitores antipetistas o “medo” da “volta
do PT”, conjugando-se à desesperança nas instituições democráticas, e resultando no apelo à ditadura que Bolsonaro e seu candidato a vice anunciam sem rebuços;
2 – O acidente da facada, em
cuja origem está o ódio e a violência que Bolsonaro dissemina, com certeza
cometido por um desequilibrado, ajudou outro desequilibrado com a exposição que
a mídia deu e tem dado ao fato.
Marco Aurélio Nogueira |
Mas permanece muito atual e
confirmada pelos fatos a análise de
Marco Aurélio, que se segue.
A nau dos insensatos: falando a sério sobre Bolsonaro
Ele consegue a proeza de unir
contra si os democratas (esquerda, liberais e conservadores) e causa repulsa
generalizada. Apesar disso, mantém posição de destaque na corrida eleitoral,
catalisando descontentamentos, frustrações, ódios, preconceitos e
ressentimentos de todo tipo.
Esmerilha uma eficiente demagogia
populista. A retórica assusta, pela falta completa de responsabilidade cívica,
pelo que vocifera contra a democracia, pelo irracionalismo que espalha pela
sociedade.
O capitão da reserva Jair
Bolsonaro ameaça passar para o segundo turno, impulsionado por um conjunto de
fatores: a fragmentação das esquerdas e do centro democrático, a imagem
negativa que sobrou dos governos Dilma, o horror à corrupção e à insegurança, a
degradação da política e a exuberante fragilidade do governo Temer. Somados ao
desalento que se abateu sobre a população e à confusão ideológica, tais fatores
deram-lhe estabilidade e fôlego, ao menos até agora.
Sua função tem sido dupla:
fazer o elogio da ignorância e do despreparo, que são por ele “ressignificados”
para se converterem em trunfo, e dar corpo a uma direita reacionária e
retrógrada que há tempo não conseguia encontrar expressão.
Ele, porém, é um fenômeno mais
amplo, de caráter simbólico e cultural. Mostra à perfeição o estado de
deterioração política, dissolução ética e miséria educacional a que chegamos.
Dá voz à angústia de diversos segmentos sociais, que não são necessariamente de
direita e estão integrados por pessoas que perderam a confiança na democracia e
na política.
Seus apoiadores são pessoas que
querem ver o circo pegar fogo, dar um tranco num sistema que fere suas
convicções ou não os beneficia. Optam por uma “radicalização” que desorganize a
vida para então reorganizá-la. O caráter misógino, racista e autoritário do
candidato não lhes diz respeito, nem incomoda. Também não há qualquer
preocupação com eventuais prejuízos derivados de uma vitória de Bolsonaro.
Gostam de seu estilo bateu-levou, debochado e arrogante.
A nau dos insensatos
(a) O estilo rústico e
agressivo do capitão, que faz graça com coisa séria, mexe com o “instinto” das
pessoas, que o admiram por não levar desaforo para casa e confrontar o
“politicamente correto”. Do alto de seus excessos, Bolsonaro é visto como
uma espécie de “salvador” (um mito), patrono de um novo recomeço. São pessoas
que querem mudar, mas que não conseguem qualificar direito o que seria a
mudança. Pensam em conseguir algo “diferente”, que elimine erros e falcatruas.
Acreditam que Bolsonaro fará com que a economia deslanche e os empregos voltem,
injustiças sejam eliminadas e a tranquilidade retorne. Nesse grupo entram
também os que são pura e simplesmente autoritários, que acreditam na virtude da
força e querem a volta da “ordem” a qualquer custo. É uma forma de
obscurantismo.
(b) Os que são contra a
corrupção vêem no capitão um político íntegro. A falta de critério e
informação prevalece. Não levam em conta, por exemplo, que Bolsonaro foi uma
nulidade no Congresso. Formou um pequeno bunker ao eleger os filhos como
parlamentares. Além disso, integrou partidos repletos de práticas corruptas.
Foi afastado do Exército por má conduta.
(c) Os que se preocupam com a
insegurança e a violência impressionam-se com as falas duras de Bolsonaro, com
suas ideias de redução da maioridade penal, de adoção da pena de morte, de
castração química de estupradores, de liberação de armas para a população. Não
levam em conta o efeito perverso que tais medidas teriam sobre a sociedade.
Querem ver sangue, na linha olho por olho. Não se impressionam com as pérolas
envenenadas do capitão, que contaminam os direitos humanos, a paz e a
convivência democrática ao elogiarem a tortura contra adversários políticos.
Acham que esse é o preço que se terá de pagar para que se recupere a moralidade
perdida com a democratização. Uma nova era de trevas e fechamento não seria
necessariamente um problema.
(d) Os que acreditam no “perigo
comunista” acham que o capitão acabará com o predomínio das esquerdas, a quem
culpam pelos dissabores da vida cotidiana, pela perda de renda familiar, pelo
desemprego e pela corrupção. Bolsonaro se dedica a seduzir o eleitorado
antipetista, mas também atrai parte dos eleitores que se desiludiram com o
lulismo e querem se vingar do que consideram ser um “excesso” das esquerdas e
do liberalismo progressista, especialmente no campo dos direitos e das
postulações identitárias. A crítica à cultura e aos excessos do “politicamente
correto” é uma de suas fronteiras de resistência.
Em suma, o exército de fieis
que aplaudem Bolsonaro é composto por uma mistura de ingênuos, desiludidos,
desinformados e protofascistas – todos mal-educados politicamente, crentes de
que um braço forte no Estado fará a vida melhorar. É uma combinação entre gente
que se sente desamparada, “fundamentalistas” e ressentidos, inimigos do sistema
democrático e amigos da autoridade. Forma-se assim um agregado para quem a
política é algo a ser desprezado e a democracia pouco importa.
O capitão pilota uma nau dos
insensatos.
Rusticidade argumentativa
Seu jeito de ser segue um
padrão: não interagir com os interlocutores, ignorar as perguntas incômodas,
repisar as mesmas teses, incansavelmente, para saturar os ouvintes. Ele é sua
própria referência, não quer dialogar nem conversar com ninguém que já não
tenha aderido ao seu credo. Abusando de ataques, grosserias e absurdos, ele dá
ordens ao séquito, que o acompanha sem vacilação.
Daí que as críticas ideológicas
a ele não têm qualquer eficácia. Não penetram, ricocheteiam. Ao contrário,
quanto mais se bate nele por essa via, mais ele cresce, como se estivesse
imunizado contra tentativas de “desconstrução”. Para a população que o segue,
tanto faz se fala mentiras ou verdades, tanto faz se gosta de tortura e
ditadura. Sua rusticidade argumentativa o faz ser entendido pela massa de
eleitores, ainda que não consiga seduzi-los por inteiro.
Bolsonaro não resulta de
virtudes ou talentos: é um subproduto do contexto de crise e degeneração da
política, um filho torto da metamorfose que sacode as estruturas sociais. Foi
sendo engordado pelos erros dos democratas, pelas políticas públicas enviesadas
dos últimos governos, pela demagogia rasteira, pela entrega da esquerda a
políticos salvacionistas, com seu paternalismo assistencialista e sua retórica
vazia e radicalizada.
Pode não ter tempo de TV e
palanques poderosos, mas tem algo que falta nos demais: redes digitais ativas,
fanáticos engajados, gente que acredita nele, que se sente abandonada pelos
governos sucessivos e que não está nem aí para a democracia.
Existem, porém, quatro grandes
problemas que o capitão não consegue resolver.
Um está ligado ao seu programa
econômico, se é que se pode chamar assim as ideias que têm circulado a esse
respeito. Coordenado pelo economista Paulo Guedes, que se diz um ultraliberal
em economia, o programa antes de tudo colide frontalmente com o estatismo
intervencionista e autoritário do candidato. Guedes propõe coisas como
recuperação do equilíbrio fiscal, novo pacto federativo, redução de dívida
pública, privatizações e concessões, redução e a simplificação de impostos,
regime de capitalização na Previdência e abertura da economia. Bolsonaro jura
que obedecerá ao guru, que já não é mais estatista e que só deseja o bem do
país. Vai com isso tentando limar resistências do mercado. É uma convivência
difícil, que não promete dar frutos nem mostra viabilidade.
Outro problema é o isolamento
político-partidário. O capitão foi rejeitado por todos os partidos de que
tentou se aproximar e não progrediu no terreno propriamente militar. Foi
relegado à condição de candidato de um só partido, sem muitos recursos de
campanha. A essa altura do jogo, a escolha do vice já não mais agregará valor
expressivo, posto que não aumentará o tempo de propaganda, não fornecerá novos
palanques e poderá até mesmo trazer mais desqualificação e turbulência.
O terceiro problema é seu
despreparo técnico e sua grosseria, discursiva e de postura. São atributos que
encantam seus seguidores, mas que não deverão beneficiá-lo no debate público,
quando será confrontado abertamente pelos adversários. A falta de tempo de TV
agrava a situação.
Por último, há aos efeitos de
sua misoginia machista. O eleitorado feminino não o assimilou e pode ser que
não venha a fazê-lo, o que barrará suas pretensões eleitorais.
Fanáticos incansáveis
Para compensar suas limitações,
o capitão aposta na rede de seguidores e animadores que conseguiu articular.
São milhões de bolsominions, fanáticos na maioria, que se encarregam de
espalhar incansavelmente slogans e mensagens que repisam os temas de campanha e
alimentam a idolatria ao “mito”. Não se sabe quanto, mas é certo que conseguem
alguma ressonância entre os ressentidos e os incomodados com os excessos do
“politicamente correto”, além de insuflar espíritos hostis à esquerda ou
decepcionados com os governos do PT e com a classe política.
Outra compensação vem,
paradoxalmente, da estratégia seguida pelo PT de manter Lula no centro da
disputa eleitoral, mesmo preso e alcançado pela Lei da Ficha Limpa. Quanto mais
essa estratégia confronta o Judiciário e radicaliza sua narrativa, mais água
despeja no moinho de Bolsonaro. De certo modo, o capitão e ex-presidente são
como gêmeos xifópagos, que dependem um do outro para sobreviver.
Não dá para transferir a culpa
a seus eleitores e aos que poderão ser arrastados pelas palavras do “mito”
porque estão de saco cheio de tudo. O irracionalismo de extrema-direita que ele
busca vocalizar tem várias determinações, que precisam ser devidamente
decifradas.
Bolsonaro é um perigo real.
Mesmo que perca as eleições, terá dado o seu recado e alimentado o monstro que
se pensava desativado. A nau dos insensatos já está a singrar os mares.
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* A versão aqui reproduzida consta do Blog de Marco Aurélio Nogueira,
https://marcoanogueira.pro/a-nau-dos-insensatos/, com data de 7 de agosto de 2018.
Que tristes mares sombrios e traiçoeiros onde só se avistam naus de insensatos...
ResponderExcluirQue pena que o bolsonarismo demorou a chegar. Se tivesse chegado mais cedo o Brasil não estaria no estado de calamidade que está.
ResponderExcluirExcelente e preciso diagnóstico...irretocável e realista..lamentavelmente.SOCORRO! Tenho muito mais receio dos seus bolsomicos ou seguidores fanáticos, infelizes, revoltados, incautos, incultos, muitos deles mal resolvidos sexualmente, etc...que são manadas tresloucada..., do que da explícita ameaça que representa o nazifascistóide escroto, bestial, aberrante, ignorante, truculento bolsona que é apenas um, porém perigoso sub-ser diabólico, ou seja, uma andorinha só, não faz verão.
ResponderExcluirDepois de tantas manchas, erros, a "esquerda" brasileira se enfraquece muito. Lamentavelmente vamos ver o pior acontecer e me parece que é uma via sem volta, triste realidade!
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