Sobre o Momento Político

Sergio Augusto de Moraes*

Alfredo Maciel da Silveira*

Maio/2022

Os obstáculos para unir os democratas são muitos. Mas nem por isto escasseiam as críticas, muitas delas negativistas, à incapacidade dos partidos políticos do campo da democracia realizarem tal objetivo.

Não é de estranhar. Na medida em que os partidos e, porque não dizer, também os eleitores, deixaram de valorizar os programas partidários e a só olharem para o imediato, absolutizando o resultado eleitoral, a colocação da democracia como valor estratégico fica mais difícil.

Mas nas condições políticas do Brasil, com um governo que tem como objetivo permanente a destruição dos poucos pilares de nossa democracia, a tarefa de unir os democratas torna-se premente.

Há pouco foi entregue ao Ministro Fachin um manifesto assinado por alguns líderes da sociedade civil em defesa do atual sistema eleitoral com urnas eletrônicas, e da democracia. Isto é um passo importante. Mas não o bastante para o momento atual.

É necessária a intervenção de uma força política que entenda a democracia como valor estratégico, e que veja as divergências e conflitos entre os atuais partidos políticos como algo natural, sem colocá-los como obstáculo ao objetivo maior de garantir nossa democracia.

A defesa da democracia precisa ser clamada, vocalizada, expressa em manifestações públicas, demonstrando o estado de prontidão dos democratas face às flagrantes ameaças atuais às instituições democráticas. Quem cala consente.

É um movimento que precisa caminhar em paralelo ao processo eleitoral, incorporando-o certamente, sem negá-lo, abrangendo os partidos, suas lideranças e candidatos. Mas indo muito além, focado naquilo que a todos une, muito acima dos imediatismos legítimos e normais da disputa eleitoral. Portanto, além da sociedade política, requer o protagonismo da sociedade civil.

No Brasil já existem embriões de tal força. Um deles está nas personalidades que assinaram o manifesto acima mencionado entregue ao Ministro Fachin.

Como dar o primeiro passo?

Faz-se necessário que alguns democratas de prestígio político costurem as afinidades existentes, dando um primeiro passo para forjar um instrumento tão necessário para o povo brasileiro.

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(*) Editores deste Blog Democracia e Socialismo.

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Cenário Econômico, Financeiro e Empresarial Global e a volta da estagflação na economia brasileira

Em artigo inédito, o Prof. Durval Meirelles apresenta-nos uma análise objetiva do cenário econômico, financeiro e social com o qual o país poderá se defrontar em 2023, qualquer que venha a ser o próximo governo. Analisa o contexto das mudanças estruturais - tecnológicas, financeiras e informacionais - em curso na economia mundial, sobrepostas pelas incertezas trazidas pela pandemia e pela guerra, condicionando o nosso já conturbado panorama político interno.

Segue o artigo.

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O Cenário Econômico, Financeiro e Empresarial Global e a Volta da Estagflação na Economia Brasileira

Durval Correa Meirelles*

Maio/ 2022

O ambiente empresarial global tem apresentado grandes transformações nos últimos anos, influenciadas, de um lado, pelo grande avanço tecnológico e pela integração comercial provocada pela globalização, e por outro, pelas novas técnicas de gestão empresarial. Estes fatos proporcionam inovações tanto em produtos quanto em processos, como na forma de governança nas empresas.

Em função disso, e aliado a pandemia e a incerteza gerada pelo conflito armado entre Rússia e Ucrânia, a economia global recente apresenta oscilações adaptativas, ora com crescimento ora com declínio econômico. Esse contínuo processo de ajustes tem provocado um aumento do desemprego em todo o planeta. Isto ocorre pela utilização de forma massiva das novas tecnologias pelas empresas, como por exemplo, a substituição dos meios de produção por robôs ou softwares inteligentes[1], ou mesmo pela transformação dos novos modelos de negócios digitais.

Capitalismo Financeiro Global - Fonte:  MundoEducação-UOL

Por outro lado, a diminuição da oferta de emprego também ocorre pelo crescimento da concentração e centralização do capital nos processos de fusões e aquisições, pela crescente financeirização da economia e ainda, pela flexibilização nas relações de trabalho. Alguns autores vêm chamando a atenção do público que poderia estar ocorrendo uma grande acumulação de capital, sobretudo no mercado financeiro, demonstrando que a nova arquitetura do capitalismo global estaria caminhando para uma junção da economia digital com o capital aplicado no mercado financeiro global, integrantes da grande transformação em curso para um “capitalismo da informação” [2].

Segundo o Banco de Compensações Internacionais (BIS) existiriam aplicados no mercado financeiro global em 2021, aproximadamente 700 trilhões de dólares, divididos em títulos públicos, títulos privados, derivativos etc, enquanto o valor do PIB mundial representaria cerca de 85 trilhões de dólares.

Neste contexto, as grandes, médias ou microempresas precisam cada vez mais investir em conhecimento e inovação, até mesmo como meio de crescimento e sobrevivência, enquanto o homem, força de trabalho, se prepara constantemente investindo no aprendizado contínuo e no comportamento empreendedor.

Nesse cenário de grandes mudanças e incertezas, a economia brasileira vem apresentando baixo crescimento econômico, principalmente pela falta de políticas públicas coerentes com esse novo panorama econômico, e pela falta de um planejamento adequado às novas condições tecnológicas e financeiras globais citadas acima. Apesar desse ambiente trazer grandes oscilações e volatilidade financeira, o país já vinha apresentando essas instabilidades, mesmo antes da pandemia e do conflito armado no leste europeu.

A inflação vem subindo de forma contínua no país, apesar do esforço do Banco Central do Brasil em conter a inflação, que subiu muito nos últimos meses, decorrente do choque de preços das commodities, em especial energia, combustíveis e alimentos. No entanto, devido a uma política macroeconômica falha no campo fiscal[3], há alguns anos, a saída tem sido aumentar continuamente os juros e administrar o câmbio, fato que tem gerado aumento no spread bancário brasileiro para empréstimos, e a subida do percentual dívida pública/PIB, além de maior volatilidade [oscilação] cambial.

O peso da dívida pública no PIB, conforme pode ser observado no gráfico acima, vem subindo muito e, no limite, se nada for feito em relação ao crescimento descontrolado dos gastos públicos, como por exemplo as reformas administrativa e tributária, sua tendência é a de chegar em 100 % do PIB em 2023. Diga-se que no Orçamento da União de aproximadamente 4,8 trilhões de reais, as despesas primárias (pessoal, previdência, outras despesas correntes e de investimento), montam a 1,8 trilhões, enquanto as despesas financeiras, fortemente impactadas pela taxa de juros, montam a 3 trilhões de reais, constituindo portanto o grosso da despesa sob a qual não há nenhum limitador ou “Teto”. Enquanto se espera que aquelas despesas primárias venham a ter, mediante reformas, uma contrapartida de serviços mais eficientes à população, estas despesas financeiras constituem uma perversa transferência de renda a grupos privilegiados, agravando as desigualdades sociais.

O gráfico abaixo mostra a volatilidade [oscilações de grande amplitude] do Real em 2021 e que continua em 2022, com sucessivos movimentos especulativos internos e externos na bolsa de valores e no câmbio, o que gera mais incerteza e imprevisibilidade no cenário econômico, financeiro e empresarial nacional.

 

Para piorar o quadro recente, historicamente o país apresenta um dos maiores spreads bancários globais, em parte devido à falta de educação financeira por parte da população e certamente pela grande concentração de crédito em apenas em apenas cinco instituições financeiras, que detém 90% de todo crédito que é dado as famílias e empresas brasileiras.

O resultado deste quadro revela a existência de sessenta milhões de pessoas físicas inadimplentes no Brasil, segundo o SPC/Serasa, e seis milhões de micro e pequenas empresas endividadas, agravando em muito a situação econômica, social e financeira das famílias e empresas brasileiras, especialmente as micro e pequenas empresas que mais geram emprego na economia.

Conclui-se então que o cenário global continuará imprevisível e conturbado, seja pela continuação do conflito no leste europeu, ou pelos movimentos especulativos no mercado financeiro, ou ainda pelos resquícios da pandemia.

Neste contexto em que reina a incerteza, os governos e Bancos Centrais - como acaba de se ver agora nos EUA - deverão adotar uma política mais restritiva, principalmente no campo monetário, com juros altos para combater a inflação, sem dar um olhar mais profundo para a política fiscal, que de fato vem reduzindo o poder dos investimentos públicos sem que os governos consigam substituí-lo por aquele capital fictício incessantemente acumulado nos mercados financeiros.

Assim sendo as empresas, para sobreviverem neste panorama difícil, continuarão a investir em novas tecnologias e na preparação de um bom planejamento financeiro, por meio de corte de custos e aumento da produtividade, o que pode gerar, no limite, uma conjuntura de tendência recessiva, com baixo crescimento e elevação da taxa de desemprego global.

Para concluir. No campo doméstico, além do conturbado panorama político, aliado a uma conjuntura econômica previsível de baixo crescimento do PIB brasileiro neste ano, cerca de 1%, pode-se especular que ocorra um novo quadro de estagnação econômica com inflação [estagflação], com queda de receitas públicas, agravando o quadro fiscal, e a continuidade da adoção de políticas mais restritivas pelo BACEN, no campo monetário. Desta forma o cenário deixado para o próximo governo, que se aproxima em 2023, poderá ser dramático nos campos econômico, financeiro e social.

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[1] Ver a propósito neste Blog "Supervalorização e demonização da Inteligência Artificial". 

[2] O conceito de “Capitalismo da Informação”, originariamente de Tessa Morris Suzuki, é exposto na resenha sobre as pesquisas seminais daquela autora, na publicação “Seu emprego está ameaçado?”, deste Blog. 

[3] No contexto da pandemia, ver “O sadismo intelectual do ajuste fiscal”, neste Blog. 

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(*) Durval Correa Meirelles é Doutor em Ciências Sociais - CPDA/UFRRJ, MSc em Administração Pública - EBAPE/FGV, com graduações em Administração - UNISUL e em Economia - UNESA. Professor de Gestão e Economia da Universidade Veiga de Almeida, Professor Visitante do Instituto de Profissionalização Digital e Consultor em Gestão Educacional.


LEIA TAMBÉM: O mal-estar na civilização em tempos de pandemia.

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