Em artigo inédito, o Prof. Durval Meirelles apresenta-nos uma análise objetiva do cenário econômico, financeiro e social com o qual o país poderá se defrontar em 2023, qualquer que venha a ser o próximo governo. Analisa o contexto das mudanças estruturais - tecnológicas, financeiras e informacionais - em curso na economia mundial, sobrepostas pelas incertezas trazidas pela pandemia e pela guerra, condicionando o nosso já conturbado panorama político interno.
Segue o
artigo.
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O Cenário Econômico, Financeiro e Empresarial Global e a Volta da Estagflação na Economia Brasileira
Durval Correa
Meirelles*
Maio/ 2022
O
ambiente empresarial global tem apresentado grandes transformações nos últimos
anos, influenciadas, de um lado, pelo grande avanço tecnológico e pela
integração comercial provocada pela globalização, e por outro, pelas novas
técnicas de gestão empresarial. Estes fatos proporcionam inovações tanto em
produtos quanto em processos, como na forma de governança nas empresas.
Em
função disso, e aliado a pandemia e a incerteza gerada pelo conflito armado
entre Rússia e Ucrânia, a economia global recente apresenta oscilações
adaptativas, ora com crescimento ora com declínio econômico. Esse contínuo
processo de ajustes tem provocado um aumento do desemprego em todo o planeta.
Isto ocorre pela utilização de forma massiva das novas tecnologias pelas
empresas, como por exemplo, a substituição dos meios de produção por robôs ou
softwares inteligentes[1], ou mesmo pela transformação dos novos modelos de negócios
digitais.
Capitalismo Financeiro Global - Fonte: MundoEducação-UOL |
Por
outro lado, a diminuição da oferta de emprego também ocorre pelo crescimento da
concentração e centralização do capital nos processos de fusões e aquisições,
pela crescente financeirização da economia e ainda, pela flexibilização nas
relações de trabalho. Alguns autores vêm chamando a atenção do público que
poderia estar ocorrendo uma grande acumulação de capital, sobretudo no mercado
financeiro, demonstrando que a nova arquitetura do capitalismo global estaria
caminhando para uma junção da economia digital com o capital aplicado no
mercado financeiro global, integrantes da grande transformação em curso para um
“capitalismo da informação” [2].
Segundo
o Banco de Compensações Internacionais (BIS) existiriam aplicados no mercado
financeiro global em 2021, aproximadamente 700 trilhões de dólares, divididos
em títulos públicos, títulos privados, derivativos etc, enquanto o valor do
PIB mundial representaria cerca de 85 trilhões de dólares.
Neste
contexto, as grandes, médias ou microempresas precisam cada vez mais investir
em conhecimento e inovação, até mesmo como meio de crescimento e sobrevivência,
enquanto o homem, força de trabalho, se prepara constantemente investindo no aprendizado contínuo e
no comportamento empreendedor.
Nesse
cenário de grandes mudanças e incertezas, a economia brasileira vem
apresentando baixo crescimento econômico, principalmente pela falta de políticas
públicas coerentes com esse novo panorama econômico, e pela falta de um
planejamento adequado às novas condições tecnológicas e financeiras globais
citadas acima. Apesar desse ambiente trazer grandes oscilações e volatilidade
financeira, o país já vinha apresentando essas instabilidades, mesmo antes da
pandemia e do conflito armado no leste europeu.
A
inflação vem subindo de forma contínua no país, apesar do esforço do Banco
Central do Brasil em conter a inflação, que subiu muito nos últimos meses, decorrente
do choque de preços das commodities, em especial energia, combustíveis e
alimentos. No entanto, devido a uma política macroeconômica falha no campo fiscal[3],
há alguns anos, a saída tem sido aumentar continuamente os juros e administrar
o câmbio, fato que tem gerado aumento no spread bancário brasileiro para
empréstimos, e a subida do percentual dívida pública/PIB, além de maior
volatilidade [oscilação] cambial.
O peso da dívida pública no PIB, conforme pode ser observado no gráfico acima, vem subindo muito e, no limite, se nada for feito em relação ao crescimento descontrolado dos gastos públicos, como por exemplo as reformas administrativa e tributária, sua tendência é a de chegar em 100 % do PIB em 2023. Diga-se que no Orçamento da União de aproximadamente 4,8 trilhões de reais, as despesas primárias (pessoal, previdência, outras despesas correntes e de investimento), montam a 1,8 trilhões, enquanto as despesas financeiras, fortemente impactadas pela taxa de juros, montam a 3 trilhões de reais, constituindo portanto o grosso da despesa sob a qual não há nenhum limitador ou “Teto”. Enquanto se espera que aquelas despesas primárias venham a ter, mediante reformas, uma contrapartida de serviços mais eficientes à população, estas despesas financeiras constituem uma perversa transferência de renda a grupos privilegiados, agravando as desigualdades sociais.
O
gráfico abaixo mostra a volatilidade [oscilações de grande amplitude] do Real
em 2021 e que continua em 2022, com sucessivos movimentos especulativos
internos e externos na bolsa de valores e no câmbio, o que gera mais incerteza
e imprevisibilidade no cenário econômico, financeiro e empresarial nacional.
Para piorar o quadro recente, historicamente o país apresenta um dos maiores spreads bancários globais, em parte devido à falta de educação financeira por parte da população e certamente pela grande concentração de crédito em apenas em apenas cinco instituições financeiras, que detém 90% de todo crédito que é dado as famílias e empresas brasileiras.
O resultado deste quadro revela a existência de sessenta milhões de pessoas físicas inadimplentes no Brasil, segundo o SPC/Serasa, e seis milhões de micro e pequenas empresas endividadas, agravando em muito a situação econômica, social e financeira das famílias e empresas brasileiras, especialmente as micro e pequenas empresas que mais geram emprego na economia.
Conclui-se então que o cenário global continuará imprevisível e conturbado, seja pela continuação do conflito no leste europeu, ou pelos movimentos especulativos no mercado financeiro, ou ainda pelos resquícios da pandemia.
Neste
contexto em que reina a incerteza, os governos e Bancos Centrais - como acaba
de se ver agora nos EUA - deverão adotar uma política mais restritiva, principalmente
no campo monetário, com juros altos para combater a inflação, sem dar um olhar
mais profundo para a política fiscal, que de fato vem reduzindo o poder dos
investimentos públicos sem que os governos consigam substituí-lo por aquele
capital fictício incessantemente acumulado nos mercados financeiros.
Assim
sendo as empresas, para sobreviverem neste panorama difícil, continuarão a
investir em novas tecnologias e na preparação de um bom planejamento
financeiro, por meio de corte de custos e aumento da produtividade, o que pode gerar,
no limite, uma conjuntura de tendência recessiva, com baixo crescimento e elevação
da taxa de desemprego global.
Para concluir.
No campo doméstico, além do conturbado panorama político, aliado a uma conjuntura
econômica previsível de baixo crescimento do PIB brasileiro neste ano, cerca de
1%, pode-se especular que ocorra um novo quadro de estagnação econômica com inflação
[estagflação], com queda de receitas públicas, agravando o quadro fiscal, e a
continuidade da adoção de políticas mais restritivas pelo BACEN, no campo
monetário. Desta forma o cenário deixado para o próximo governo, que se
aproxima em 2023, poderá ser dramático nos campos econômico, financeiro e
social.
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[1] Ver
a propósito neste Blog "Supervalorização e demonização da Inteligência Artificial".
[2] O
conceito de “Capitalismo da Informação”, originariamente de Tessa Morris
Suzuki, é exposto na resenha sobre as pesquisas seminais daquela autora, na
publicação “Seu emprego está ameaçado?”, deste Blog.
[3] No contexto da pandemia, ver “O sadismo intelectual do ajuste fiscal”, neste Blog.
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(*) Durval Correa Meirelles é Doutor em Ciências Sociais - CPDA/UFRRJ, MSc em Administração Pública - EBAPE/FGV, com graduações em Administração - UNISUL e em Economia - UNESA. Professor de Gestão e Economia da Universidade Veiga de Almeida, Professor Visitante do Instituto de Profissionalização Digital e Consultor em Gestão Educacional.
LEIA TAMBÉM: O mal-estar na civilização em tempos de pandemia.
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