Família Bolsonaro testa a resistência da democracia

A cada provocação a família Bolsonaro testa a resistência da democracia brasileira. O jogo entre pai e filhos pode parecer confuso, mas é combinado.
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Um jogo combinado*

Bernardo Mello Franco
Novembro - 2019
A família Bolsonaro tem método. Enquanto o pai insufla seguidores contra as instituições, os filhos fazem ameaças explícitas à democracia.
Ontem o deputado Eduardo Bolsonaro sugeriu a edição de um “novo AI-5”. Apontado como o futuro chefe do clã, ele já havia ameaçado enviar “um soldado e um cabo” para fechar o Supremo.
O AI-5 original foi editado pela ditadura militar em 1968. Suspendeu direitos individuais, instituiu a censura prévia e autorizou o presidente a fechar o Congresso. O ato deu sinal verde para a tortura e a morte de opositores. Significou o endurecimento do regime, cultuado até hoje pelo inquilino do Planalto.
Bernardo Mello Franco
Na época, os militares alegavam que era preciso combater “processos subversivos” e “fatores perturbadores da ordem”. A Guerra Fria acabou, mas Bolsonaro busca o mesmo pretexto ao estimular teorias conspiratórias e insinuar que “inimigos internos” não o deixam governar.
Na entrevista a Leda Nagle, que já apresentou um programa chamado “Sem Censura”, Eduardo alegou o risco de uma radicalização de esquerda. Mas quem radicaliza no país é a extrema direita, que chegou ao poder pelas urnas sob a liderança do capitão.
A nova polêmica segue um roteiro conhecido. Em setembro, o vereador Carlos Bolsonaro já havia escrito que a “transformação que o Brasil quer” não aconteceria por “vias democráticas”.
O comportamento da família mostra uma divisão de tarefas, em que os filhos se revezam no papel de incendiários. Quando a provocação repercute mal, o pai se fantasia de bombeiro e finge adverti-los.
A cada afronta, o clã testa a resistência da democracia e prepara o próximo avanço. É uma estratégia de aproximações sucessivas, como prescrevem os manuais militares.
Os Bolsonaro estão unidos no mesmo projeto autoritário, que busca remover limites ao poder do Executivo. O jogo pode parecer confuso, mas é combinado. Ontem o presidente disse lamentar as declarações do Zero Três a favor do AI-5. Quando o ato fez 40 anos, ele subiu à tribuna da Câmara para louvá-lo.
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(*) Publicado originariamente em O Globo, 01 de novembro de 2019