Antônio
Ribeiro Granja acaba de comemorar 105 anos de vida! Vida que fala muito
além de si próprio, dedicada a uma organização política enraizada no povo brasileiro em marcha histórica para a democracia.
No artigo que
se segue, “Medo do Imprevisto”, o jornalista Luiz Carlos Azedo teve a ventura de unir a
sabedoria de Granja à análise da presente conjuntura política.
Medo do Imprevisto*
Luiz Carlos
Azedo
Agosto - 2018
“Se algum sabichão lhes disser o que
vai acontecer, estará mentindo. Essa eleição é imprevisível!”, disse o velho
Antônio Ribeiro Granja, antes de apagar as velas do bolo de aniversário de 105
anos, domingo. Rodeado de parentes, amigos e companheiros que lhe deram apoio
na clandestinidade, voltou ao velho refúgio do Faraó de Baixo, localidade de
Cachoeiras de Macacu (RJ) cercada de fontes de água mineral, no pé da Serra do
Mar.
Integrante do Comitê Central do PCB,
Granja escapou de um sequestro em Itaboraí, em 1975, por muito pouco. À época,
18 integrantes do PCB, dos quais 12 do Comitê Central, foram assassinados.
Avisado pelo filho, o engenheiro mecânico José Roberto Portugal, então um
menino, saiu pelos fundos do sítio quando a equipe de agentes do DOI-CODI
estava chegando. “Um deles passou a 20 metros de mim, com a metralhadora nas
mãos; eu estava escondido no meio do mato, só com a calça do pijama e
descalço.”
Graças àquela região montanhosa e aos
antigos hábitos de ex-trabalhador rural, “Seu Chico”, como era chamado na
região, driblou seus perseguidores se passando por boia-fria na fazenda
Funchal. Depois, foi morar num sítio em Casemiro de Abreu. Foi um dos poucos
dirigentes a permanecer no país durante todo o regime militar. De sandália
havaiana e chapéu de palha, com as mãos calejadas pelo cabo da enxada,
circulava pelo interior do antigo Estado do Rio como um peixe na água. Foi
assim que reorganizou o antigo Partidão no interior fluminense e garantiu a
eleição dos deputados comunistas Marcelo Cerqueira (federal) e Alves de Brito
(estadual), pelo antigo MDB, nas eleições de 1978.
Seu grande mérito foi se distanciar
do interesse imediato, no caso, a própria sobrevivência, para compreender o
processo político. Granja percebeu, mesmo após as prisões do professor e
economista Aírton Albuquerque, chefe do Departamento de Economia da
Universidade Federal Fluminense, e dos jornalistas Maurício Azedo e Luiz Paulo
Santana Machado, logo após o carnaval de 1976, que a situação política estava
mudando. Saiu da toca e foi à luta pela liberdade e pela democracia. Seu
objetivo imediato era a anistia, a grande missão que confiou a Marcelo
Cerqueira como parlamentar.
O Pacote de Abril, baixado pelo
presidente Ernesto Geisel com o propósito de conter o avanço das oposições nas
eleições municipais de 1976, na sua avaliação, fora uma demonstração de
fraqueza. Os fatos confirmaram as previsões do velho dirigente do PCB, que aos
105 anos continua com uma memória invejável, capaz ainda de recitar suas
poesias, contar causos da longa militância política e, com fina ironia e grande
senso de humor, falar sobre a conjuntura sem dizer as besteiras que circulam
com fartura pelas redes sociais.
Granja nunca teve medo do novo. Todas
as vezes em que foi necessário, jogou dogmas e concepções ultrapassadas na lata
do lixo da história. Fez autocrítica da Intentona de 1935, apoiou o relatório
Kruschov, renegou as teses que defendiam a luta armada para lutar contra
ditadura e chegar ao poder. Sabia que o PCB flertara com o golpismo em 1964, pois
foi testemunha da conversa de Luiz Carlos Prestes com o presidente João
Goulart, com Raul Riff, em fevereiro de 1964, quando o líder comunista sugeriu
ao presidente deposto que apelasse às massas para fazer as reformas, que
anunciou no Comício de 13 de março, sem respaldo do Congresso, em vez de
recuar. Granja apoiou a mudança de sigla do PCB para PPS, do qual é o
presidente de honra, e guardou no baú de recordações amorosas a velha bandeira
vermelha com a foice e o martelo que empunhava desde 1934.
O futuro
O que fazer diante do imponderável
anunciado por Granja? Em primeiro lugar, considerar as contingências nas quais
ocorrem as eleições deste ano. Uma economia que, bem ou mal, voltou a crescer,
mas tem baixo desempenho porque o governo gasta mais do que arrecada. O pior já
passou, foi a recessão do governo Dilma Rousseff. Sua “nova matriz econômica”
ameaçava transformar o país numa nova Venezuela. Nossas instituições políticas
sobreviveram à crise tríplice (econômica, política e ética) que nos levou ao impeachment.
O governo de transição está
enfraquecido pelas denúncias de corrupção, mas mantém respaldo no Congresso
para levar o país às eleições. O presidente Michel Temer é fleumático e
equilibrado, apesar da impopularidade e das denúncias da Operação Lava-Jato.
Finalmente, as Forças Armadas se mantêm nos limites estabelecidos pela
Constituição, mesmo com a tropa torcendo pela eleição de um ex-militar à
Presidência.
O imprevisível faz parte da
democracia. Duro seria se tivéssemos eleições de cartas marcadas ou se as
mesmas fossem suspensas. Sim, a radicalização política protagonizada pelo
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em contraponto com a narrativa
autoritária do deputado Jair Bolsonaro cria um quadro de instabilidade
institucional, mas as regras do jogo eleitoral podem resolver essa questão.
Quem quer que venha a ganhar, terá que lidar com o Congresso e o Judiciário, a
imprensa e a opinião pública. E não há alternativa para as forças políticas
mais responsáveis que não seja a defesa da democracia, ganhando ou perdendo as
eleições.
________________________
(*) Publicado originalmente em FAP - Fundação Astrogildo Pereira - Política Hoje, 31-07-2018