O Encontro Que Não Houve

Lincoln Penna*

Maio - 2023**

O presidente Lula não se reuniu com o presidente Zelensky, representante da OTAN na Ucrânia. A razão está na pauta principal dos promotores da reunião, que visavam isolar a Rússia, o que tornava o diálogo de Lula com Zelensky impertinente. A nova composição desse novo Grupo 7, agora engordado por mais dois integrantes desde o início das hostilidades entre Rússia e Ucrânia, Charles Michel (OTAN) e a senhora Ursula von der Leyen, atual presidente da Comissão Europeia, procurou atrair o apoio dos países do Sul, convidados para essa reunião, Brasil e Índia, entre outros. A Rússia foi afastada do grupo original do então G 8 depois da ocupação do território ucraniano.

Fez bem Lula em não se curvar diante das insinuantes investidas dos EUA e da União Europeia para que o Brasil se filiasse à política de apoio incondicional à Ucrânia. O discurso do presidente brasileiro na ocasião foi propositivo, deixando claro a necessidade de se renovar e ampliar a ONU, que ainda mantém o superado direito ao veto por parte de cinco países que formam o Conselho de Segurança Permanente (EUA, Reino Unido, França, Rússia e China). E mantém um órgão como a OTAN, espólio da Guerra Fria, cujo objetivo é o de não desativar o complexo industrial e militar organizado desde os primeiros desdobramentos do pós-guerra, com finalidades beligerantes para azeitar essa máquina de guerra.

Lincoln Penna

Os compromissos assumidos com a Federação Russa logo após o fim da União Soviética para desativar esse complexo industrial e militar não aconteceram apesar das promessas dos governantes norte-americanos. Ao contrário, incorporou antigos estados que compunham a URSS, de modo a cercar a Rússia e já com vistas ao acelerado e bem-sucedido crescimento da China, atual desafiante da liderança global do Ocidente capitaneado pelos EUA.

Caso acontecesse o encontro que não houve, estaria colocada a questão mais crucial que parece estar sendo escamoteada: afinal, quem deseja a continuidade do conflito sob a alegação de que o país agredido necessita de armamentos para defender-se senão os falcoes que alimentam o orçamento de guerra do país que detém o maior arsenal militar ao sustentar a OTAN, cujo propósito hoje em dia é nenhum, salvo o de manter essa máquina de guerra e evitar a prevalência do multilateralismo nas relações internacionais.

Do outro lado, Lula sustenta a paz sem condições prévias, muito embora tenha dado declarações precipitadas anteriormente dissonantes para quem deseja participar como mediador das hostilidades. Porém, acertou em tempo suas falas posteriores e continua a ser um protagonista importante da parte dos países do Sul em face da prepotência do Norte, centro ainda hegemônico do grande capital internacional.

O que não foi dito por Lula, por uma questão de habilidade diplomática a ele provavelmente chegada, é que esse conflito bélico de fundo estratégico ocorre no âmbito das crises e contradições do capitalismo. Ao contrário dos tempos da bipolaridade da Guerra Fria esta nova versão põe em choque interesses geopolíticos mediados por interesses estratégicos e financiados não assumidamente por parte de grandes grupos ligados às operações armamentistas de grosso calibre.

Não podemos nos iludir que a Federação Rússia de Putin não é a mesma coisa da União Soviética de tempos imemoriais. De qualquer maneira em toda refrega há um lado. No caso dos países que compõem o BRICS este lado torce pela pacificação e fortalecimento dos estados nacionais oriundos tempos atrás do chamado mundo dos emergentes, presentemente fortalecidos pela liderança ostensiva da China a apostar na superação dos problemas ainda decorrentes do colonialismo e do neocolonialismo que infelicitou essas nações, inclusive o Brasil.

Pena que a cobertura do noticiário da mídia nacional insista em dar holofotes a Zelensky e a atribuir o desencontro como se fosse uma falta de oportunidade para Lula ganhar projeção, que a rigor não precisa. O simples fato de ter colocado prioridade às questões sociais (fome) e ambientais (preservação de florestas e situação climática), o tornou diferenciado numa cúpula azeitada para tentar isolar a Rússia como o mal a ser combatido, logo agora que estamos tendo o ressurgimento do fascismo em várias partes do mundo. Mal que não consta nas pautas do jornalismo bem-comportado.

LEIA TAMBÉM: Guerra na Ucrânia

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(*)Lincoln Penna, é historiador, docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

(**) Republicado conforme o original em Facebook, 23/05/2023, <iframe src="https://www.facebook.com/plugins/post.php?href=https%3A%2F%2Fweb.facebook.com%2Fpermalink.php%3Fstory_fbid%3Dpfbid0569E498CDHr8r4zLWriAehM51oWAQvZjTNaMjc6aWGS7ZcqfBr24bHntonFqG4RDl%26id%3D100082012787834&show_text=true&width=500" width="500" height="291" style="border:none;overflow:hidden" scrolling="no" frameborder="0" allowfullscreen="true" allow="autoplay; clipboard-write; encrypted-media; picture-in-picture; web-share"></iframe>

Para os petistas, o governo Lula está em disputa

O artigo abaixo levanta questões importantes, mas, por tentar resumir em poucas páginas acontecimentos de décadas, tropeça em algumas frases como tachar Lênin de jacobino. Alguém que escreveu "O esquerdismo, doença infantil do comunismo" ou lutou pela NEP, dentre outros escritos e posições, jamais poderia ser tachado de jacobino.

Segue o artigo

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­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­Para os petistas, o governo Lula está em disputa

Luiz Carlos Azedo*

Abril/2023

O choque se dá entre a bancada do PT na Câmara e a equipe econômica, liderada por três ex-candidatos à Presidência: Haddad, Alckmin e Simone Tebet

O jacobinismo é uma invenção dos seus adversários. Seu significado restrito refere-se ao período entre 1789 e 1799 da Revolução Francesa, quando os mais ardorosos integrantes do Terceiro Estado, na Assembleia Nacional, formaram o chamado “Club Breton”, que viria se transformar na “Societè des amis de la Constituicion”. Como se reuniam no convento dos dominicanos (ou “jacobins”) da rue Saint-Honoré, em Paris, passaram a ser chamados pejorativamente de jacobinos. Com o tempo, os jacobinos se tornaram paradigma de revolucionários, com uma missão nacional-patriótica, ética e social.

Luiz Carlos Azedo
Tornou-se um conceito político reconhecido, que envolve a estrutura partidária e suas relações com a nação, o Estado e a sociedade. Seu radicalismo político e social, principalmente no exercício do poder, coloca na ordem do dia a questão democracia versus ditadura. E nos remete à velha relação entre a ética da responsabilidade e a das convicções, ou seja, entre os fins e os meios usados na luta política. Ironicamente, após a Comuna de Paris (1871), Karl Marx questionaria o caráter revolucionário universal do jacobinismo, restringindo-o ao papel histórico que desempenhou ao completar a revolução burguesa, porém, sem impedir a restauração de Napoleão.

Na Revolução Russa de 1917, o jacobinismo foi resgatado pelo líder comunista Vladimir Lênin, em contraposição à social-democracia da II Internacional. Virou paradigma de chegada ao poder, como na China, em 1949, e em Cuba, em 1959. Confundir a tomada do poder com a revolução passou a ser o grande objetivo da esquerda revolucionária. A fórmula básica era: a política começa onde estão as massas. Para ser bem-sucedida, a insurreição deve se apoiar no proletariado; para inspirá-lo, sua vanguarda é um partido revolucionário, cujos objetivos e interesses devem estar em sintonia com o povo. Uma fórmula supostamente mágica.

No Brasil, houve dois momentos marcantes de jacobinismo. O levante comunista de 1935, liderado por Luiz Carlos Prestes, que nunca teve a menor chance dar certo, mas estava em sintonia com a política insurrecional da chamada III Internacional; e a luta armada contra o regime militar, na década de 1970, liderada pelo líder comunista Carlos Marighella, que também não teve a menor possibilidade de êxito. Desde a crise de 1964, uma parcela da esquerda acreditava que a tomada do poder tornaria o socialismo inexorável. Não foi o que aconteceu, apesar da grande mobilização popular na campanha das Diretas, Já. A derrocada dos militares veio mesmo foi com a eleição de Tancredo Neves, um político moderado, no colégio eleitoral.

O PT é o último grande partido operário criado no século XX, quando a grande indústria taylor-fordista já estava superada pelo toyotismo e os sistemas de produção flexíveis estruturados em cadeias globais de valor. As lideranças de esquerda que participaram da luta armada, que estiveram presas ou no exílio, vertebraram sua organização, sob a liderança do presidente Luiz Inácio lula da Silva, então líder sindical metalúrgico. As outras vertentes são a sindical, cuja influência já não é a mesma, e setores ligados às comunidades eclesiais de base, muito reprimidas pelos papas João Paulo II e Bento XVI. Com o tempo, parlamentares, prefeitos e a burocracia passaram a ter muito mais peso do que as bases sindicais e populares, mas não a ponto de suplantar o prestígio eleitoral de Lula.

Coalizão ampla

O êxito político do PT é invejável. Por cinco vezes, três com Lula e duas com a ex-presidente Dilma Rousseff, venceu as eleições presidenciais. Desde 2002, é a principal força política democrática do país, o que demonstrou durante o governo de Jair Bolsonaro, quando comeu o pão que o diabo amassou. Com a chegada do PT ao poder, as forças com as quais emulava no campo da esquerda, principalmente o PSDB, foram sendo abduzidas pelo transformismo. Durante o governo Bolsonaro, as bases eleitorais da centro-esquerda derivaram à direita, atraídas por narrativas reacionárias. A justa crítica ao jacobinismo petista foi substituída pelo anticomunismo que põe no mesmo balaio até mesmo os liberais.

No primeiro turno das eleições passadas, a política de frente de esquerda deu ao PT a hegemonia no campo da oposição ao governo Bolsonaro, mas não a vitória. Foi preciso ampliar as alianças ao centro, principalmente com atual ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), que também havia disputado primeiro turno, para derrotar Jair Bolsonaro (PL), por estreita margem. Mais ainda: para Lula tomar posse e articular a base governista no Congresso. Por isso, a formação de um governo de ampla coalizão democrática decorre mais da correlação de forças do que do programa eleitoral de Lula. Esse é o busílis.

Para a cúpula petista, o governo Lula está em disputa, entre seu principal partido, o PT, e seus aliados de centro-esquerda. O choque principal se dá entre a bancada do PT na Câmara e a equipe econômica do governo, liderada por três ex-candidatos a presidente da República: Fernando Haddad (PT), Geraldo Alckmin (PSB) e Simone Tebet (MDB). Essa disputa pode paralisar o governo e implodir suas alianças. Os setores radicais do PT precisam se convencer de que o governo Lula não é jacobino. A agenda do governo, para ser bem-sucedida, deve ser focada no programa que unifica a coalizão e não numa disputa esquerda versus direita, que está afastando lideranças que desejariam apoiar o governo, mas o próprio presidente Lula, sob pressão de seu partido, não deixa.

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(*) Publicado originalmente em https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/para-os-petistas-o-governo-lula-esta-em-disputa/ 30/04/2023