Sergio Gonzaga de Oliveira (*)
Janeiro-2020
Sigmund Freud, considerado o
pai da psicanálise, criou a expressão “o mal-estar na civilização” para
refletir sobre o conflito entre os impulsos que nos remetem em direção ao
prazer (pulsões na linguagem de Freud) e as restrições que a civilização
(cultura) nos impõe para viabilizar a vida em sociedade.Tomando emprestada essa
expressão, podemos dizer que o mundo atual vive tempos sombrios, marcados por
um profundo mal-estar que certamente se sobrepõe à inquietação descrita por
Freud.
As principais evidências desse
mal-estar são as recorrentes explosões de fúria popular ocorridas em diversas
partes do mundo na última década. Desde a primavera árabe, Irã, Tunísia, Egito,
Líbia, Síria, Argélia, Iraque, Líbano e vários outros países da região vem
convivendo com conflitos cada vez mais intensos. Na América Latina não tem sido
diferente. Manifestações semelhantes foram registradas na Bolívia, Chile,
Equador, Venezuela e Colômbia. Os Coletes Amarelos na França, o Brexit na
Inglaterra, o Occupy Wall Street nos EUA, a reação contra a construção de um Shopping
Center em um parque na Turquia, os separatistas da Catalunha e os rebeldes anti-Pequim
em Hong Kong, embora tenham motivações diferentes, são exemplos de uma
insatisfação crescente.
O mais espantoso é que essas
explosões populares tem origem às vezes em atos governamentais aparentemente
corriqueiros ou burocráticos. Funcionam como uma espécie de rastilho de pólvora
que rapidamente provoca uma explosão. Podem ser derivadas de resultados
eleitorais contestados, protestos contra aumentos de passagens, combustíveis ou
pão, escândalos de corrupção, insatisfação com o governo eleito e, até mesmo,
um prosaico feriado nacional em homenagem às forças armadas. Em muitos casos, a
simples revogação do ato que gerou as manifestações não acalma a população. Os
protestos e a violência prosseguem sem que se perceba a pauta real das reivindicações.
Em muitos países, forças
políticas radicais que tradicionalmente tinham pouca ou nenhuma influência no
jogo democrático assumem relevância e, não poucas vezes, chegam ao poder pela
via eleitoral. Usualmente, se posicionam no processo político apontando
culpados, reais ou imaginários, pelas dificuldades sentidas pela maioria da
população. Imigrantes, minorias, países estrangeiros e a proteção ao meio
ambiente são os principais alvos. Quando têm sucesso, ameaçam as conquistas
democráticas e civilizatórias; restringem as liberdades civis, os direitos
humanos, a imprensa e a oposição. Apesar de diferenças significativas e
características próprias de cada país, podemos incluir os EUA, a Inglaterra, a
Turquia, a Rússia, a Hungria, as Filipinas e o Brasil nesse rol. Em outros
lugares, sem ter conquistado o poder, esses grupos extremistas vêm crescendo,
como na Espanha, Itália, Alemanha, França, Finlândia e vários outros países
europeus, numa demonstração inequívoca de que algo mais profundo pode estar em
curso.
Muitos, com razão, atribuem às
redes sociais (whatsapp, facebook, twiter, instagram, youtube) o poder de
amplificar as disputas, convocar os protestos de rua e intensificar a
participação de forças políticas radicais nas eleições. Entretanto, por mais
que as redes sejam um instrumento moderno e eficiente de aglutinação e debate,
elas em si não parecem ser a origem de tanto descontentamento. Muito se tem
escrito acerca das causas desse mal estar. Alguns autores, em busca de uma
resposta, explicam cada evento como resultante de circunstâncias próprias de
cada país ou de cada região. Não que isso não seja adequado e, na maioria das
vezes, é bastante convincente.
Entretanto, algumas evidências
parecem indicar que pode existir um substrato comum a essa insatisfação recorrente.
A hipótese que pretendo analisar em dois artigos é a
ocorrência de uma conjunção perversa entre a tendência histórica à concentração
de renda, comprovada por pesquisas empíricas recentes, e alguns fenômenos econômicos,
políticos, sociais e demográficos que têm dificultado, ou até mesmo impedido,
as ações distributivas tradicionalmente realizadas através do Estado. Dentre
estes os mais evidentes são a globalização, a perda de poder dos sindicatos, o
crescimento explosivo dos custos e dispêndios com saúde e educação e o aumento
da vida média da população. No geral, esses fenômenos são derivados da rápida
evolução tecnológica que se verificou a partir da segunda metade do século
passado, marcadamente do final da década de 1970.
Com relação à concentração de
renda, as principais pesquisas se limitaram aos países centrais que possuem base
estatística mais consolidada e de melhor qualidade. Nos países periféricos,
ainda em desenvolvimento, os dados não permitem avançar com tanta segurança,
embora os poucos elementos disponíveis estejam mostrando que o panorama não é
diferente.
A mais conhecida é a de Thomas
Piketty descrita em seu livro “O Capital no Século XXI” (1). Piketty se baseou
em dados históricos obtidos em mais de vinte países, cobrindo um período de
três séculos, com metodologia inovadora e maior amplitude do que pesquisas
anteriores. A tese central de Piketty
pode ser compreendida por meio de uma relação matemática bastante simples.
Explica Piketty textualmente: “A principal força desestabilizadora está relacionada
ao fato de que a taxa de rendimento privado do capital (r) pode ser forte e
continuamente mais elevada do que a taxa de crescimento da renda e da produção (g).
A desigualdade (r>g) faz com que os patrimônios originados no passado se
recapitalizem mais rápido do que a progressão da produção e dos salários. Essa
desigualdade exprime uma contradição lógica fundamental. O empresário tende
inevitavelmente a se transformar em rentista e a dominar cada vez mais aqueles
que só possuem sua força de trabalho. Uma vez construído, o capital se reproduz
sozinho, mais rápido do que cresce a produção. O passado devora o futuro”.
Em outras palavras, quando os
lucros e juros crescem em ritmo mais acelerado que a produção de bens e
serviços, os salários necessariamente ficam para trás, já que a soma dos
rendimentos do capital com a remuneração do trabalho corresponde
significativamente à totalidade do produto e da renda gerada em uma economia
(Identidade das Contas Nacionais). As pesquisas mostraram à Piketty que a taxa
média histórica de rendimento do capital tem se situado em torno de 4 a 5% ao
ano. Indicaram, ainda, que no período de um século, entre 1913 e 2012, a taxa
média de crescimento do PIB mundial foi visivelmente menor, girando em torno de
3% ao ano.
Prossegue Piketty: “Sob essas
condições, é quase inevitável que a fortuna herdada supere a riqueza
constituída durante uma vida de trabalho e que a concentração do capital atinja
níveis muito altos, potencialmente incompatíveis com os valores meritocráticos
e os princípios de justiça social que estão na base de nossas sociedades
democráticas modernas”.
Mas Piketty não está sozinho.
Òscar Jordà, professor e pesquisador da Universidade da Califórnia em Davis
conduziu, juntamente com outros acadêmicos, mais uma pesquisa no mesmo sentido.
Os resultados foram publicados na edição de agosto de 2019 do conceituado The
Quarterly Journal of Economics da Universidade de Oxford (2). Os dados foram
obtidos nas 16 economias mais avançadas do mundo e com muito mais detalhes e
profundidade que o alcançado por Piketty. Entretanto, as conclusões não foram
diferentes. O professor Jordà constatou no longo período analisado uma
diferença ainda mais significativa entre a taxa média de retorno do capital (r)
e a taxa média de crescimento dessas economias (g), confirmando a tendência
histórica de concentração da renda.
Escreve Òscar Jordà em seu
artigo: “Nossos dados mostram que a tendência de longo prazo da taxa real de
retorno da riqueza tem sido consistentemente muito mais alta que a taxa real de
crescimento do PIB. Nos últimos 150 anos, a taxa real de retorno da riqueza
excedeu substancialmente a taxa real de crescimento do PIB em 13 décadas e foi
menor que o crescimento do PIB em somente duas décadas, correspondendo às duas
guerras mundiais. Isto é, em tempo de paz, (r) sempre excede (g). A diferença
entre (r) e (g) tem sido persistentemente alta. Desde 1870, a média ponderada
do retorno da riqueza (r) tem sido cerca de 6%, comparada a uma média ponderada
da taxa de crescimento real do PIB (g) de 3%, com uma diferença média (r-g) de
três pontos percentuais, a qual tem a mesma magnitude do crescimento real do
PIB. Em tempos de paz a diferença entre (r) e (g) é ainda maior, girando em
torno de 3,8 pontos percentuais.” Prossegue Òscar Jordà: “Uma conclusão robusta
desse trabalho é que (r) é muito maior que (g). Globalmente e através da
maioria dos países a taxa ponderada do retorno do capital foi duas ou mais
vezes maior que a taxa de crescimento nos últimos 150 anos.”
Além das tendências de longo
prazo, esses pesquisadores constataram que no período das Grandes Guerras
ocorreu uma significativa melhoria da distribuição da renda nesses países. Muito
provavelmente, essa melhoria se deve a intensa queima de capital ocorrida nas
duas guerras mundiais. Verificou-se também que do pós-guerra até a passagem dos
anos 70 para os 80 do século passado essa redução na concentração de renda
ficou estabilizada em níveis considerados bastante satisfatórios. Esse período
ficou conhecido como “Os Trinta Gloriosos” e algumas escolas do pensamento
econômico o tomaram como um padrão histórico permanente. Avaliaram que se as
forças de mercado fossem deixadas livres seriam capazes de gerar uma sociedade
com uma distribuição de renda mais justa. Entretanto, nem todos concordaram.
Muitas explicações para “Os Trinta Gloriosos” descrevem uma combinação única do
desenvolvimento econômico gerado pela reconstrução da Europa e do Japão, com a
ascensão dos sindicatos, partidos trabalhistas e social-democratas que nesse
período tiveram condições de forçar a distribuição da renda via legislação e
ações sindicais. As atuais pesquisas indicam que esta última interpretação pode
estar mais próxima da realidade. Os “anos dourados” não duraram muito. A partir
do final dos anos 70 e início dos 80 a concentração voltou a se afirmar como
tendência dominante.
Piketty descreve essa retomada:
“Desde a década de 1970, a desigualdade voltou a aumentar nos países ricos,
principalmente nos Estados Unidos, onde a concentração de renda na primeira
década do século XXI voltou a atingir – e até excedeu – o nível recorde visto
nos anos 1910-1920”.
As constatações de Piketty,
confirmadas pelas recentes pesquisas de Òscar Jordà, indicam que lucros, juros,
aluguéis e outros rendimentos similares superam no longo prazo o crescimento da
economia, aumentando a cada dia a diferença de renda entre a elite rica,
proprietária de capital, e a maioria dos que vivem de seus salários. Em outras
palavras, a economia de mercado é essencialmente concentradora. Ao que tudo
indica, uma alteração desse paradigma só pode ser obtida em um período de forte
crescimento da economia ou por ações externas ao processo econômico em si.
Piketty esclarece: “A história
da distribuição da riqueza jamais deixou de ser profundamente política, o que
impede sua restrição aos mecanismos puramente econômicos. A historia da
desigualdade é moldada pela forma como os atores políticos, sociais e
econômicos enxergam o que é justo e o que não é, assim como pela influência
relativa de cada um desses atores e pelas escolhas coletivas que disso
decorrem. Ou seja, ela é fruto da combinação, do jogo de forças, de todos os
atores envolvidos”.
Entretanto a intervenção da
sociedade na economia, seja para promover o desenvolvimento, seja para forçar a
distribuição da renda, tem se tornado cada vez mais difícil. Alguns fenômenos
recentes, derivados da evolução tecnológica, têm reduzido ou até impedido as
ações distributivas conduzidas através do Estado. Entretanto, para não alongar
muito este primeiro texto, transfiro para um próximo artigo o exame desses
fenômenos e suas conexões com a concentração de renda. Analisarei
sucessivamente a globalização, a perda de poder dos sindicatos, o crescimento
dos custos e dispêndios com saúde e educação e o aumento da vida média da
população.
(1) Piketty, Thomas, O Capital
no Século XXI, 1ª edição, Editora Intrínseca, Rio de Janeiro, 2014
(2) Jordà, Òscar et al., The Rate
of Return on Everything, 1870-2015, The
Quarterly Journal of Economics, Universidade de Oxford, agosto de 2019.
_________________________________________
(*) Sergio Gonzaga de Oliveira é engenheiro
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e economista pela
Universidade do Sul de Santa Catarina(UNISUL). Publicou recentemente no blog
Democracia e Socialismo uma série de três artigos sobre a retomada do
desenvolvimento de longo prazo no Brasil.
EXCELENTE SEU TEXTO.PARABENS. VOU LER OUTROS QUE PUBLICAR.
ResponderExcluirPara John Locke, que foi um pensador de questões políticas, econômicas, éticas, matemáticas, metafísicas e epistemológicas, como um autêntico representante da filosofia moderna, cujo objeto de investigação inicial ou central é o sujeito pensante (o sujeito do conhecimento), a princípio, acerca de toda realidade exterior ao próprio pensamento, ou seja, acerca do objeto (do mundo exterior aos pensamentos), não podemos saber, minimamente, nem mesmo de sua real existência, não podemos provar nem mesmo a existência do objeto, mas apenas a do sujeito (a dos pensamentos). A existência do objeto é apenas uma exigência ou necessidade pragmática, uma espécie de postulado pragmático. Dito isso e avançando para a questão tratada por você, a questão da relação entre o Estado e o capitalismo, e tomando-se como pressuposto o que nenhum filósofo provou ainda, ou seja, a existência de algo exterior ao pensamento ou ao sujeito pensante, como queira, pergunto a você o que me pergunto, obsecadamente, sem ainda não conseguir, no mínimo, nem mesmo uma boa hipótese: os modos de produção moderno e contemporâneo capitalista e socialista, o medieval feudal e o antigo escravista, no que diz respeito a existência de indivíduos superiores e inferiores, classes sociais superiores e inferiores e nações superiores e inferiores, são justos em relação as riquezas e aos poderes conquistados e acumulados?
ResponderExcluirLONGA MATERIA PODERIA SER MAIS RESUMIDA
ResponderExcluirLeiam "Capitalismo senil" de Benstein. A recessão a partir do início de 70, a financeiração da economia e o empapelamento empresarial. A dívida pública dos países da OCDE em relação aos respectivos PIBs.
ResponderExcluirO socialismo real morreu junto a queda do muro de Berlim e deixou de herança os dois maiores genocidios da história humana ,50 milhões desde a revolução bolchevique ,gulags etc e 100 milhões na China comunista desde os levantes de mão Tsé Tung e as suas políticas de repressão, desde Locke com a legitimacao da propriedade privada , depois Smith, Hayek, vom misses e a superação de Marx da mais valia do valor trabalho etc , só há prosperidade e liberdade na economia de mercado , os arquétipos gregos o templo a praça e o mercado !
ResponderExcluirRecebi de meu amigo Pierobon um instigante comentário sobre “O mal estar na civilização” que transcrevo abaixo com sua autorização. Por motivo de limitação de espaço divido em duas postagens seguidas.
ResponderExcluir“Caro Sergio,
Gostei muito do seu primeiro artigo. A sua navalha de Ockham corta fundo e deixa para lá os detalhes. Vai na essência das coisas que estão acontecendo nesse mundo confuso. Concordo com a sua tese, para mim inovadora, de que há mesmo um "mal estar na civilização" nesse mundo aí. Inovadora porque não li ninguém que pudesse ter falado disso, assim na lata: uma tese importante de Freud estendida para o nosso atual mundo globalizado, soi-disant, civilizado. Não nos sentimos bem nele, nesse "estar no mundo". Entretanto, não sabemos o porquê. Assim como perdemos os grandes poetas, e os grandes compositores, também teríamos perdido os grandes pensadores? E aí não sabemos aquele incômodo... “porquê”? Não sei responder a isso de modo peremptório, dado que há alguns clarões nesse horizonte escuro, além daqueles em que você se baseou na sua tese.
Vou pedir a sua paciência, e a dos outros, para citar Jean-Pierre Lebrun, psiquiatra e analista francês, no seu prefácio ao livro de Charles Melman, (O Homem sem Gravidade, Companhia de Freud, tradução de Sandra Regina Felgueiras, 2003) cujas ideias tenho aproveitado em alguns de meus trabalhos:
“Ali onde, ontem, para a maioria dos pacientes que se dirigiam ao psicanalista, tratava-se de encontrar uma saída diferente da neurose para a conflitualidade inerente ao desejo, hoje, os que encontram o caminho de seu consultório vêm, com frequência, falar-lhe de seu enviscamento (deixar-se levar, prender, seduzir, por – Aurélio) num gozo excessivo. O que, então, se passou – o que se passa, então – para que assim, regularmente, o gozo triunfe – triunfa – sobre o desejo.” (...)
“Ninguém contestará que estamos, hoje, diante de uma crise das referências. Seja qual for a pertinência dessa expressão, a tarefa de pensar o mundo em que vivemos se impõe, então, mais do que nunca. As transformações de nossas sociedades, subsequentes à conjunção do desenvolvimento das tecnociências, da evolução da democracia e do crescimento do liberalismo econômico, nos obrigam a voltar a interrogar a maioria de nossas certezas de ontem. Pelo menos se não quisermos nos satisfazer com simplesmente registrar as modificações consideráveis de nossos comportamentos que elas provocam.”
Segue a continuação do comentário do Pierobon:
ResponderExcluir“As profundezas que você esmiuçou poderiam assustar os incautos, ou os desprevenidos. Isso se eles estiverem com disposição de ir fundo nas coisas das nossas realidades atuais, como o foram aqueles pensadores que você citou em seu trabalho. E que você trouxe para a superfície desse nosso nebuloso e imenso presente, onde está esse nosso Brasil austral que, apesar de isolado do mundo desenvolvido por grandes oceanos, sofre, queira ou não, os impactos do que lá, naqueles espaços boreais acontece. Os gregos antigos temiam os ventos boreais (Bóreas), que vinham do norte gelado, violentos, e adoravam os poéticos e suaves zéfiros (Zéfiro) que, mansos e carinhosos, vinham do oeste quente.
Somos obrigados a ficar de olho nesses Bóreas, onde nasceram as piores guerras, misérias e holocaustos, enquanto possamos achar o que seria um... nosso caminho intermediário?... – talvez um sonho –, por aqui, por essas bandas e gerais, de um país continental que, nos verões, como o atual, recebe os ventos chuvosos que vem de nossa imensa floresta amazônica, no nosso grande oeste, que nos dão alimentos e, hoje, em um mundo ameaçado pela mudança climática, tempestades ruinosas.
Saberemos achar o nosso caminho intermediário? Seria ele realizável? Seria uma utopia? Sermos isolacionistas em um mundo globalizado seria possível? Os “entendidos” dizem que não. Assim na lata! Os argumentos deles são fortes. Pois, como sermos autárquicos, isolacionistas, com toda a poderosa permeabilidade do mundo digitalizado na velocidade da luz, e em um mundo de necessárias trocas comerciais? Sermos globalistas, carregando imensas diferenças culturais, educacionais e comportamentais, que levariam anos e mais anos, para serem comparáveis àquelas dos países avançados? Quantas décadas, gerações, (não vamos nos iludir), mutações políticas, seriam necessárias para nos igualarmos a “eles”, os boreais?
Eles, os boreais, que em ciclos históricos, sob o véu de seus interesses, ora centram no globalismo e ora põe mais peso no isolacionismo, ou seja, vão em um caminho intermediário como um rio que meandra na longa planície.
Ocorre que tudo isso não passa de imagens poéticas. É necessário que historiadores e economistas, como você, possam sair da poética, e de um viés do mito, para a realidade das coisas.
Não sei se alguém teria respondido a esses questionamentos. E se seriam válidos para esse mundo que aí está imponente, presente, concreto, palpável, que se fez totalmente independente de nós. E a nós se impôs! Essa é a verdade. Mas, as perguntas ficam aí no ar martelando nas nossas mentes. Os filósofos dizem que a filosofia começa com os questionamentos. Ou seja, com as, às vezes, azedas e inconvenientes perguntas.
Deixo no ar esses desarrumados pensamentos – inclusive aquele do nosso caminho intermediário – que nasceram em função do seu brilhante texto. Fica aqui o meu incentivo para você continuar a sua pesquisa para encontrarmos o nosso caminho em meio àquela “crise das referências” de que fala Jean-Pierre Lebrun”.