“(...)É um equívoco achar que Lula é imbatível, ou que seu governo, caso venha a ser eleito, será autossuficiente e promoverá “rupturas” sem concessões e sem moderação. Necessitará de acordos e negociações, e será melhor para todos se essa necessidade for compartilhada com os democratas, não com os “fisiológicos”. O entorno de Lula tem ingredientes tóxicos, desejosos de um acerto de contas, refratários a pactos e composições consistentes. Como serão processados? Lula permanecerá se equilibrando entre “revanchistas” e “pacificadores”?
Não sabemos se haverá um centro ativo e
um conjunto de lideranças propensas a convergir democraticamente em nome do
futuro. Proclamamos sua necessidade, mas não temos como descortinar, agora, os
rumos que a política tomará ao longo do ano”. (Marco Aurélio Nogueira).
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A esperança pode estar nas urnas*.
Marco
Aurélio Nogueira**
Fevereiro-
2022
O futuro não está dado. Apenas com uma
democracia revigorada será possível pensar em um Estado que defina políticas
estratégicas para o País
O
ano novo veio à luz carregando um fardo de problemas para os brasileiros. Era de
esperar.
A
variante ômicron da covid fez a pandemia repicar, embalada pelo réveillon e por
sua própria ferocidade. Acredita-se que o pior pode ter passado, mas o que
restou ainda é ameaçador. O recrudescimento viral é preocupante. Tocar a vida
com menos medo e mais segurança, seja em que área for, parece ter se tornado
uma das principais aspirações de 2022.
O
repique pandêmico escancara a incapacidade do governo brasileiro de responder
aos efeitos do vírus. Por tática ou burrice, o governo olha a pandemia com
desdém. Alguma coisa acontece, porém, graças à pressão de prefeitos e
governadores, da opinião pública, de agências e instituições estatais. A
intenção governamental não é cuidar, mas tumultuar. Sua atuação é pilotada por
um Marcelo Queiroga desprovido de autonomia, postura cívica e perfil público.
Prolonga-se o desastre.
Some-se
a isso a desorientação governamental em política econômica. Inflação,
desemprego e baixa atividade produtiva combinam-se com a falta de critérios
fiscais e tributários, com os ataques estapafúrdios ao teto de gastos e a
distribuição de benesses a amigos e aliados. O cenário é preocupante pelos
efeitos de curto prazo e para o que virá à frente: quanto mais tempo se perder,
mais difícil será a retomada a partir de 2023, efeito bola de neve fácil de
prever.
Marco Aurélio Nogueira |
O
que parece fácil de imaginar é difícil de ser construído. A política não saiu
da letargia e da crise em que se encontra. Partidos mal aparelhados, candidatos
sem foco claro, egoísmos e cálculos tópicos espalhados por todos os cantos,
crenças ingênuas de que a mudança de governo pode advir de meros atos de
vontade. Há preocupação em ganhar visibilidade, desinteresse em formular
programas que tirem o País do buraco.
O
futuro que merecemos passa por uma convergência democrática que garanta não a
conquista do poder, mas a formação de um governo que governe e cuide do País.
Projetos e ambições particulares (de pessoas ou partidos) precisariam ser
arquivados temporariamente. A convergência seria uma barca na qual se acomodassem
todos os democratas, dos partidos de esquerda à direita civilizada, dos
liberais aos socialistas. O País só avançará, no pós-Bolsonaro, se houver uma
suspensão das disputas fúteis por poder e protagonismo, uma superação dos
privilégios corporativos, uma ênfase no combate à desigualdade.
2022
poderá representar o retorno de Lula. As pesquisas que inflam seu nome sugerem
que sua candidatura é irremovível e se projeta como vitoriosa. Mas as águas não
param de correr e a disputa, a rigor, ainda não começou. A depender das
batalhas que terá de travar, dentro e fora do PT, Lula poderá desidratar um
pouco. Afinal, Bolsonaro é um fracasso como presidente, mas não está morto. O
centro democrático se movimenta com lentidão e sem direção clara, mas tende a encorpar.
Um segundo turno poderá impulsionar uma convergência democrática que viabilize
a construção de um governo com musculatura técnica, apetite reformador, foco
estratégico e planejamento de longo prazo, assentado em um ministério plural
composto por quadros competentes e “despartidarizados”. Lula poderia ser, nele,
uma espécie de joia da coroa, assim como os demais líderes que se qualificarem
durante a disputa presidencial.
É
um equívoco achar que Lula é imbatível, ou que seu governo, caso venha a ser
eleito, será autossuficiente e promoverá “rupturas” sem concessões e sem
moderação. Necessitará de acordos e negociações, e será melhor para todos se
essa necessidade for compartilhada com os democratas, não com os
“fisiológicos”. O entorno de Lula tem ingredientes tóxicos, desejosos de um
acerto de contas, refratários a pactos e composições consistentes. Como serão
processados? Lula permanecerá se equilibrando entre “revanchistas” e
“pacificadores”?
Não
sabemos se haverá um centro ativo e um conjunto de lideranças propensas a
convergir democraticamente em nome do futuro. Proclamamos sua necessidade, mas
não temos como descortinar, agora, os rumos que a política tomará ao longo do
ano.
O
futuro jamais está pronto e acabado nas mãos de quem quer que seja. Como
sugeriu meu mestre e amigo Edgard de Assis Carvalho, precisamos ler Ilya
Prigogine: “A história se realiza por meio da mistura de um determinismo
entrecortado por acontecimentos. Esses acontecimentos correspondem a
reorganizações da vida social”. Acontecimentos demarcam uma diferença entre o
que é previsível e o que não o é, estão associados ao incerto e evidenciam que
na escala humana as estruturas sociais escapam do determinismo. “O
acontecimento possui uma microestrutura. De certo modo, é o acontecimento que
permite distinguir o passado do futuro. Podemos até ‘explicar’ os
acontecimentos do passado. Pode-se quase considerá-los como produtos de um
determinismo latente. O que não se pode é prever os acontecimentos do futuro”.
O
futuro, em suma, não está dado. Os anos pandêmicos estão mostrando que
organização, persistência, planejamento, ciência, comunicação e informação são
ferramentas indispensáveis para indivíduos e governos. Ditaduras e governantes
autoritários conseguem pouco, quase nada, a não ser a promoção do horror, do
silêncio forçado, do medo.
Chegamos
a um ponto decisivo, no qual não há como tergiversar ou agitar ideologias.
Apenas com uma democracia revigorada será possível pensar em um Estado
inteligente, regulador e não empresarial, que defina políticas estratégicas (a
Saúde e a Educação antes de tudo) e trabalhe para inserir o Brasil no mundo
como um player importante da convivência pacífica entre as nações, do combate à
crise climática, de um novo modo de viver e conviver.
Empenhemo-nos
por ela.
LEIA TAMBÉM: Reinventar, articular, reconstruir
(*) Publicado originalmente em https://marcoanogueira.pro/a-esperanca-pode-sair-das-urnas/?fbclid=IwAR1fEt5zz3WVmyJxijaiUFCwuWGUBugXJ0BzFrOfxUmz3gspG3AQj_vdWyg em 25 de janeiro de 2022.
(**) Cientista político brasileiro, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo e professor de teoria política na Universidade Estadual Paulista.
Alfredo. Nunca li uma matéria com tanta lógica e escrita com muita seriedade.
ResponderExcluirE gratificante, numa hora difícil dessas que o Brasil está passando, receber a acolhida de nossos leitores. A lamentar que não tenha se identificado.
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