Nos últimos meses cresceu o debate
internacional sobre os problemas entrelaçados do desequilíbrio ambiental, da
pressão sobre os recursos naturais pelas tecnologias atuais da produção de
alimentos, do crescimento populacional global, e da potencial irradiação de
novas pandemias nesse contexto.
Quanto ao crescimento da
população mundial, cujas tendências, somadas aos padrões de consumo difundidos
pelo capitalismo, pressionam os recursos naturais, a produção de alimentos e o
equilíbrio ecológico, Sergio A. Moraes, em seu livro “Capitalismo e População
Mundial”, abre a perspectiva da análise desse problema mediante a tese de K.
Marx da subordinação no longo prazo do crescimento populacional às leis de
reprodução do capital.
Em escala planetária, com as
fronteiras abertas à integração dos mercados e ao acesso do capital aos imensos
reservatórios de trabalhadores de baixo custo de reprodução, não estaria à
vista nenhum interesse do capital em fazer valer as conquistas culturais e de
conhecimentos das sociedades, engendradas sob este mesmo capitalismo, em prol
de uma evolução mais equilibrada da população mundial.
Na sequência reproduzimos o Capítulo 6
do referido livro.
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População, alimentos e meio ambiente*
A “pegada ecológica” é uma metodologia utilizada para medir as quantidades de terra e água (em termos de hectares globais - gha) que seriam necessárias para sustentar o consumo atual da população. Considerando cinco tipos de superfície (áreas cultivadas, pastagens, florestas, áreas de pesca e áreas edificadas), o planeta Terra possui aproximadamente 13,4 bilhões de gha de terra e água biologicamente produtivas.
Segundo dados de 2010 da Global Footprint Network, a pegada ecológica da
humanidade atingiu a marca de 2,7 gha por pessoa, em 2007, para uma população
mundial de 6,7 bilhões de habitantes na mesma data (segundo a ONU). Isso
significa que para sustentar essa população seriam necessários 18,1 bilhões de
gha. Ou seja, já ultrapassamos a capacidade de regeneração do planeta no nível
médio de consumo mundial atual, com pegada ecológica de 2,7 gha.
Sergio Augusto de Moraes |
“Se a população mundial adotasse o consumo médio do continente africano - com pegada ecológica per capita de 1,4 gha - poderia atingir 9,6 bilhões de habitantes. Se o consumo médio mundial fosse igual à média asiática (com pegada ecológica de 1,8 gha), a população mundial poderia ser de 7,4 bilhões de habitantes. Com base na pegada ecológica da Europa (4,7 gha), não poderia passar de 2,9 bilhões de habitantes. Com a pegada ecológica da América Latina (2,6 gha), o limite seria de 5,2 bilhões de habitantes. Com as pegadas ecológicas da Oceania (5,4 gha) e dos Estados Unidos e Canadá (7,9 gha) precisaríamos parar em 2,5 bilhões e 1,7 bilhão de habitantes, respectivamente”.[1]
Esta fotografia da situação atual nos dá uma idéia da dimensão do problema que a humanidade enfrenta. E notem que estamos falando de médias que envolvem os mais ricos e os mais pobres de cada continente ou país.
O professor J. Eustáquio Diniz Alves acima citado conclui:
“Não há, evidentemente, como manter esse crescimento nos padrões de produção e consumo atuais. Para que a humanidade possa sobreviver e permitir a sobrevivência das demais espécies, será preciso promover uma revolução na matriz energética, incentivar a eficiência do uso de energia, reciclar e reaproveitar o lixo. Enfim, reduzir os desperdícios em todas as suas formas. Será necessário introduzir inovações tecnológicas nos prédios e casas para melhorar o aproveitamento da energia e a reciclagem de materiais, reforçar e melhorar o transporte coletivo, criar empregos verdes; ampliar as áreas de floresta e mata e a preservação ambiental”.
O autor lista ainda uma série de outras medidas que poderiam reduzir a agressão ao planeta, que vão desde avançar na aquicultura até a redução de bebidas alcoólicas e gastos militares .A projeção da situação atual para os próximos 40 anos não melhora o quadro. Segundo a FAO:[2]
“(...) a população da terra deverá crescer dos 6,9 bilhões em 2010 para algo em torno de 9,2 bilhões em 2050, crescimento este localizado quase integralmente nas regiões menos desenvolvidas; e as maiores taxas de crescimento são previstas para os países mais pobres. Então algo em torno de 70% da população global deverá ser urbana comparada com os 50% atuais. Se as tendências atuais persistirem, a urbanização e o incremento dos rendimentos nos países em desenvolvimento redundarão num maior consumo de carne o que exigirá aumento da produção de cereais para alimentar os rebanhos. O uso de produtos agrícolas na produção de biocombustíveis também deverá crescer. Nos anos 2020 os países industrializados deverão consumir 150 kg de milho por pessoa por ano sob a forma de etanol – similar às taxas de consumo alimentar de cereal por pessoa nos países em desenvolvimento(...).
(...)Tais mudanças na demanda levarão a uma significativa necessidade de aumento na produção de todos os principais alimentos. As projeções da FAO sugerem que por volta de 2050 a produção agrícola deverá crescer globalmente uns 70% - e quase 100% nos países em desenvolvimento - para atender somente a demanda por alimentos, excluindo a demanda adicional por produtos agrícolas usados na produção de biocombustíveis. Isto é equivalente a uma produção extra de cereais da ordem de um bilhão de toneladas e a 200 milhões de toneladas de carne a serem produzidos anualmente em 2050, comparados com a produção entre 2005 e 2007”.
O documento da FAO assinala as dificuldades para expandir as áreas de cultivo, as consequências do uso intensivo dos solos e as agressões ao meio ambiente e sugere um outro paradigma: a intensificação sustentável para o aumento da produção de alimentos.
“A intensificação sustentável da produção de alimentos, quando efetivamente implementada e suportada, provocará o “duplo ganho” requerido para atingir as duas mudanças de alimentar a população mundial e salvar o planeta” .
Mais adiante afirma:
“Ao mesmo tempo que trará múltiplos benefícios para a segurança alimentar e o meio ambiente, a intensificação sustentável tem muito a oferecer aos pequenos agricultores e às suas famílias - que constituem mais de um terço da população mundial - pelo aumento de sua produtividade, redução de custos, elevando sua resistência ao desgaste e fortalecendo sua capacidade de lidar com o risco”.
Tais objetivos são meritórios e as medidas indicadas, ainda em pequena escala mundial vem sendo implementadas em diversas regiões e por diversos organismos. Mas seria possível estendê-las a todo o planeta? Torná-las dominantes? Quais as tendências mais fortes do desenvolvimento atual?
A concentração de terras
No Brasil, um país que tem uma extensão considerável de terras virgens públicas, portanto sujeitas a uma distribuição menos concentrada, a situação é a seguinte:
TABELA - A concentração de terras no Brasil [3]
Propriedade % área ocupada
2003 2010
Minifúndios, pequenas
e médias propriedades 48,4 43,8
Grande propriedade 51,6 56,1
E isto não se limita aos produtores nacionais. O ex-ministro Delfim Netto, personagem insuspeito neste sentido, dá um brado de alerta: “Os chineses compraram a África e agora estão tentando comprar o Brasil”[4] e certamente os chineses não produzem nas pequenas ou médias propriedades.
A situação do Brasil não é exceção. Na Europa
fenômeno semelhante vem ocorrendo: “metade
de toda a terra agrícola na União Europeia está hoje concentrada em 3% de
grandes fazendas com mais de 100 ha(...)”e “(...) na Alemanha um total de
1,246 milhões de propriedades em 1966/67 reduziu-se para 299,1 mil fazendas em
2010. Dessas a área coberta por propriedades de menos de 2 ha reduziu-se
drasticamente enquanto aquelas com 50 ha ou mais expandiram sua área de 9,2
milhões de hectares em 1990 para 12,6 milhões de hectares em 2007”.[5]
LEIA TAMBÉM: População e Previdência Social sob o Capitalismo
[1] A Terra no limite, de J. Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas ENCE/IBGE. Disponível em: <Planeta Sustentável.abril.com.br>.
[2] FAO – Save and Grow –
The Challenge (www.fao.org/ag/save-and-grow)
[3] MST – Gerson Teixeira – Agravamento da concentração de terras.
[4] O Estado de São Paulo, 23/08/2010.
[5] John Vidal, The Guardian, 18/04 e 13/05/2013.
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(*) O texto reproduz o Capítulo 6 do livro "Capitalismo e População Mundial", de Sergio Augusto de Moraes, Fundação Astrogildo Pereira e Editora Contraponto, Brasilia-DF, 2016
(**) O autor é Engenheiro pela UFRJ e Mestre em Econometria pela Universidade de Genebra. Trabalhou no Chile para o governo de Salvador Allende, 1971-1973 quando, depois do golpe de Estado de Pinochet, esteve preso no Estadio Nacional. Dali conseguindo livrar-se pela solidariedade internacional, foi para a Europa, onde ficou seis anos exilado. Voltou ao Brasil em 1979. É autor também do livro "Viver e Morrer no Chile" - 2010, e um dos editores deste Blog "Democracia e Socialismo".
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