Desta vez Marco Aurélio Nogueira lança um verdadeiro manifesto, conclamando os democratas a romperem o impasse em que se encontram. Desvelar a força contida em sua unidade superando diferenças menores diante da crise política.
Duas postagens anteriores neste blog, "O primeiro passo", julho/2017, e "As forças democráticas diante do amanhã", agosto/2017, alusivas respectivamente a dois artigos do mesmo autor encadeiam com o presente texto sua visão sobre o lugar das forças democráticas na presente conjuntura. Segue o artigo publicado no Estadão em 21/10/2017
A união indispensável
Democratas de todos os partidos e quadrantes, uni-vos! Vocês nada têm a perder a não ser os grilhões que os aprisionam ao atraso, à inoperância, à demagogia. Têm um mundo a conquistar: um país mais justo, mais dinâmico, menos atropelado pelas estripulias obscenas de corruptos e aproveitadores, bem como dos que exploram a ingenuidade política das multidões.
A paráfrase da célebre conclusão do Manifesto de Marx e Engels serve para indicar o caminho das pedras que os brasileiros devem seguir. Não há meio termo, atalhos alternativos. A estrada pode não levar de imediato a um novo mundo, mas se quisermos ter chances reais de futuro é por ela que teremos de trafegar.
Reúnam-se todos, liberais, socialistas, comunistas, ex-comunistas, liberais-socialistas, conservadores liberais, negros e brancos, a galera LGBT, ambientalistas e ecologistas, católicos, umbandistas e evangélicos. Façam com que importe menos o que os divide e deixem tremular mais alto a bandeira da democracia, que generosamente os abrigará a todos.
Unam-se, porque se não o fizerem a desesperança cívica corroerá os laços já débeis que ligam a sociedade à política. Os cidadãos fugirão da democracia representativa, como vêm demonstrando a pouco e pouco querer fazer. Os autoritários avançarão, as soluções mágicas saltarão como perdigotos de ouro da boca dos salvadores de plantão, que não se pejam de chorar lágrimas de crocodilo em público e de posar de vítimas impolutas. Sem a união ativa dos democratas, crescerão os chamamentos à caserna, as vozes favoráveis a intervenções militares saneadoras, que limpariam a sujeira acumulada, como se fosse possível fazer isso contra cidadãos, políticos e democratas. Ganharão corpo, também, as iniciativas para trancar a política com as cordas da Justiça, vistas como antídoto infalível contra os “maus” políticos.
Se os democratas continuarem divididos e inertes, o futuro será comprometido. Escaparão pelos poros do sistema todos aqueles que desejam que tudo fique como está ou que pregam as virtudes de uma volta para trás, o retorno da força e da autoridade perdidas, a reiteração da interpelação direta e sem mediações do “chefe” e do “líder” com as massas marginalizadas e os crentes fanáticos, a absolvição generalizada dos corruptos e dos escroques de todas as correntes políticas. Ganharão fôlego os nefelibatas fundamentalistas, os sonhadores que com suas maquinações nos roubam o senso de realidade e nos empurram para o reino da fantasia.
Sem o concurso desprendido dos democratas, unitário a ponto de superar discordâncias tópicas, vaidades despropositadas e obstáculos circunstanciais, aumentarão os apelos ao protagonismo antipolítica de magistrados e procuradores, investidos de atribuições substitutivas que não lhes competem. Atenção cuidadosa, porém, deverá ser dada ao papel que vem sendo desempenhado pelo STF, pelo MPF e pela Polícia Federal. Pode haver algum viés jacobino aí, mas é melhor jogar o jogo nos tribunais do que sob o tacão das baionetas. O fato é que o protagonismo judicial se impôs quanto mais o Executivo e o Legislativo foram perdendo credibilidade e legitimidade. A raiz da crise não está nem nunca esteve no Judiciário. Assim como a crise não deriva da corrupção galopante. Trata-se de um problema político, grudado naqueles que fazem da política uma forma de vida e profissão.
Podemos dizer: a crise se alimenta da distância que se abriu entre um sistema político fragmentado, sem lideranças de coordenação, e uma ordem social em transformação acelerada, tudo devidamente assentado numa democracia política que subsiste e se reafirma. Se nada for feito, o choque produzirá conflitos de grande magnitude. Se a crise, porém, for democraticamente administrada, dela poderão nascer uma nova sociedade e um novo modo de fazer política.
A força do processo
Olhem um pouco mais atentamente para o processo. Nas últimas três ou quatro décadas, o Brasil evoluiu, melhorou em inúmeros aspectos, deu mostras de que pode ultrapassar as barreiras do atraso secular, das deformações estruturais, da improvisação, da espoliação dos pobres pelos poderosos, do excesso de Estado, do desperdício.
É bem verdade que essa marcha foi descontinuada de 2013 para cá, período em que o desatino se sobrepôs ao discernimento e à responsabilidade e em que a corrupção veio a público com a força de um vulcão que libera uma lava tóxica que só provoca horror e desilusão.
Mas o eixo do processo – desenvolvimento com inclusão social – permaneceu vivo e mesmo neste ciclo político aziago e temerário em que estamos pode ser reativado, retomado, recuperado. A um único preço: o da suspensão dos antagonismos artificiais, das polarizações estéreis, dos particularismos exacerbados, do radicalismo retórico.
Unam-se pois, democratas! Passem um pano vigoroso na velharia político-partidária que nos atazana, na impunidade que nos envergonha, no desperdício de recursos e talentos que nos mantém parados no tempo, girando em falso.
Assumam o papel de vanguarda moderna que lhes cabe. Saiam da letargia, mobilizem a sociedade, rompam os grilhões do sistema político, resistam ao corporativismo multifacetado que vigora no Estado e na sociedade civil. Abracem o povo, interpelando-o ativamente para escutar suas pulsações e com ele elaborar uma agenda que nos impulsione para frente e nos distancie do regressismo autoritário, da palavra fácil que incendeia e da demolição política. As urnas de 2018 estão logo ali. Não cheguem desarvorados a elas.
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