Trabalho e o 1º de maio

Merece repercussão o recente artigo de Marco Aurélio Nogueira, “O 1º de maio e os sindicatos”. Originariamente publicado em seu site* pessoal, agora o republicamos.

Entretanto não podemos deixar passar em branco nossa crítica sobre o seguinte trecho: “(...) o capitalismo globalizado e de alta tecnologia alterou a configuração da sociedade de classes, fazendo com que o trabalho perdesse a centralidade que tinha antes.”

Pensamos que o trabalho não perdeu a centralidade. Ele deslocou-se para outro setor fazendo com que a classe operária, tal como era conhecida nos séculos XIX e XX, perdesse seu lugar na produção para outro tipo de trabalhadores, aqueles dedicados ao trabalho de inovação.

Conforme argumenta Tessa Morris-Suzuki:
“(...) se olharmos para a contínua difusão da robótica no mundo real do capitalismo contemporâneo provavelmente chegaríamos a uma conclusão diferente, ainda compatível com a teoria do valor-trabalho. A de que a automação faz deslocar o centro de gravidade da criação da mais-valia, da produção física de bens, para a produção de inovação – isto é, de conhecimento novo para a produção de outros bens.” (Tessa Morris-Suzuki, “Robots and Capitalism”, New Left Review- NLR 147, set/out 1984)
Mas vamos ao artigo de Marco Aurélio.
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O 1º de maio e os sindicatos

Marco Aurélio Nogueira**
Maio - 2018

O 1º de Maio sempre foi uma data dos trabalhadores. Dia de luta, de política, de memória e homenagem, de defesa de direitos e de uma identidade. As esquerdas fizeram dela um de seus principais pontos de referência. A democracia política como um todo também.

Marco Aurélio Nogueira

De algumas décadas para cá, lentamente, a data foi perdendo magnetismo e significado, tornando-se mais festiva que política ou simbólica. Shows musicais viraram prática usual, assim como o sorteio de carros para atrair a massa e impulsionar uma mobilização cada vez mais difícil e custosa. O 1º de Maio diluiu-se.
Há uma explicação básica para o fato. É que o capitalismo globalizado e de alta tecnologia alterou a configuração da sociedade de classes, fazendo com que o trabalho perdesse a centralidade que tinha antes. Crises sucessivas, desemprego estrutural, automação e robotização, novas profissões, formas alternativas de emprego e atividade produtiva foram “desconstruindo” a classe operária, roubando-lhe projeção e capacidade de referenciar o conjunto dos trabalhadores.

Tem sido assim não somente no Brasil. Passa-se algo parecido em outros países, mesmo naqueles em que as tradições operárias e de esquerda são fortes e enraizadas, como por exemplo a Itália. Lá também o 1º de Maio deixou de ser uma “festa do trabalho” para se converter numa festa a mais. Um feriado em que muitos trabalham, em casa, em microempresas, em atividades autônomas, em escritórios ou dirigindo automóveis.

No Brasil, país que associou fortemente o mundo do trabalho ao Estado e às instâncias governamentais, a inflexão teria de ser mais acentuada. Por aqui, a própria estrutura sindical complicou o futuro, dificultando a organização na medida mesma em que o trabalho se fragmentava.

Enfraquecidas pela crise, pela perda de base social, pela reforma trabalhista e pelas piruetas político-partidárias de suas lideranças, as entidades sindicais ficaram sem força para alterar a situação. Ficaram, também, sem um programa claro de luta com que nortear os trabalhadores cada vez mais diferenciados e fragmentados. Seu poder de pressão declinou. Aos poucos, as categorias que haviam estruturado o movimento sindical foram sendo reconfigurados e vendo sua força reduzir-se. Primeiro os bancários, depois os metalúrgicos, para ficar com os dois mais poderosos. Foram sendo substituídos por dezenas de sindicatos de servidores públicos. Até aposentados criaram suas entidades.

Nesse ano de 2018, o parafuso deu mais uma volta. As centrais sindicais uniram-se num ato em Curitiba, numa articulação rara, que deveria ser motivo de comemoração. Resolveram fazer do ato um protesto contra a reforma trabalhista e contra a prisão de Lula. Transformaram o evento num palanque eleitoral, sob o pretexto de prestar solidariedade a um ex-presidente que teria saído das entranhas da classe operária. Data a dramaticidade do momento, não é difícil imaginar como os dois pontos da pauta serão hierarquizados. Tendo em vista as dificuldades do sindicalismo, é até compreensível que a luta por Lula ganhe destaque.

Poderá ter alguma ressonância. Mas também revelará que a união sindical está sendo buscada em um terreno arenoso, que dificilmente produzirá uma efetiva unidade. Os sindicatos terão de ir além, interagindo reflexiva e politicamente com as circunstâncias complexas do mundo atual.
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 (*) Publicado em Marco Aurélio Nogueira, em 5 de maio de 2018.
(**)Professor de Teoria Política, coordenador do Núcleo de Estudos e Análises   Internacionais-NEAI, Unesp.

2 comentários:

  1. Caros companheiros
    Prof. Airton Queiroz
    Uma das características principais da mercadoria e que torna central o trabalho da classe que a produz é a repetição, é a sua produção repetida em ciclos temporais, sejam horários, diários, mensais etc.
    É essa repetição que assegura o cálculo do valor e da consequente acumulação da mais valia, isto é, da acumulação de capital. Por isso, que Marx escreveu no Manifesto que o capitalismo é o sistema que necessita revolucionar constantemente seu modo de produzir.
    Com isso ele incluía mudanças nos objetos, nos instrumentos e processos de produção, bem como na introdução de produtos inovadores. A concorrência entre os capitais impõe esse comportamento de sobrevivência, e com a globalização essa tensão só aumenta.
    A mencionada repetição é impossível na natureza própria da inovação. Não há como calcular o valor da próxima inovação, pois ela só acontece uma vez e resulta, em geral, de atormentados processos de erros e acertos.
    O valor só é mensurável na mercadoria recente, trazida pela inovação, após certo número de reproduções. São elas que dão segurança à medição do novo valor e da nova mais valia, que, por sinal, ambos decrescem como fruto da inovação.
    Eis a razão principal porque o " trabalho " de inovação não tem a centralidade para assegurar à permanência de seus inventores, porque eles não são, necessariamente, os mesmos a produzir a próxima inovação, naquela ou noutra cadeia de produtos.
    As inovações não se dão numa linha de montagem. Não existe fábrica de inovação. Há laboratórios destinados a esse fim, que, por vezes, muito se investe e nada se consegue.
    Aos seus "trabalhadores'', cientistas e engenheiros, falta-lhes a certeza de que descobrirão algum elo significativo da inovação que inove à anterior. O mais comum, nesses casos, são melhorias de processos, ou aperfeiçoamento do produto "inovado". Fenômenos esses aos quais não se aplica, corretamente, o termo inovação, e, para os quais, quase sempre, os sérios e exigentes institutos de certificação, se negam a conceder nova patente.
    Não poucas vezes, os cientistas chegam com invenções bem estranhas ( ! ) e que não atendem aos anseios das empresas que aportam rios de dinheiro nesses "trabalhos". Às vezes, essas "estranhezas", chegando a outras mãos, são transformadas em novas "maravilhas" do capitalismo. Steve Jobs e Bill Gates são alguns dos personagens de semelhantes novelas.
    Abraços...Airton Queiroz

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  2. O Comentário acima foi postado por mim mas a autoria do texto é do Prof. Airton Queiroz. Sergio Augusto de MOraes

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