Em meio às discussões da reforma tributária, que promove realocação dos recursos públicos entre regiões e Estados, ressurgem tensões sobre o pacto federativo. Há poucas semanas, o governador Romeu Zema, do Estado de Minas Gerais, exumou velhos sentimentos preconceituosos e separatistas, ao opor as regiões sul e sudeste às demais regiões do país, dando a entender que o sul e sudeste sustentam, com sua riqueza e modernidade produtiva, as demais regiões pobres e atrasadas. Este é o tema central de artigo do jornalista Luiz Carlos Azedo, que vai a seguir reproduzido no ANEXO I. Destaque-se ainda em tal artigo, as questões novas trazidas pela globalização, pelo enfraquecimento da identidade nacional e a sua fragmentação, historicamente sustentada sob o teto do Estado-Nação. Veja-se o caso das atuais políticas identitárias, que tornam complexas as questões em conflito. As garantias aos povos, (indígenas por exemplo) e a qualquer outro movimento identitário como o dos quilombolas, depende do Estado brasileiro. A sociedade civil está enfraquecida. Num momento seguinte ao atual, fortes pressões econômicas podem devastar a Amazônia e esses povos, sob um regime de força, não democrático.
No fundo, esse contexto também se expressa na crise do sistema de representação política, justamente o palco onde deveria se dar a negociação e pactuação institucionalizada dos conflitos.
Poucos sabem que o princípio constitucional da representação política dos Estados na Câmara Federal, que deveria basicamente ser proporcional às respectivas populações estaduais, ajustável periodicamente conforme os dados censitários, é escancaradamente desobedecido desde os tempos da ditadura, beneficiando os menos populosos, e prejudicando especialmente o Estado de São Paulo.
Há um "vespeiro" dentro desse
assunto que ninguém quer mexer. O "Pacote de Abril"(1977), do Gen. Geisel,
alterou profundamente a proporção correta das representações na Câmara, que, como dissemos, deveria ser proporcional às respectivas populações de cada Estado. Fez isso
para tentar ganhar as eleições. Nem a Assembleia Constituinte ousou mexer
nisso, pois em 1988 havia muitos presidenciáveis de olho nos votos do Nordeste,
por exemplo. São Paulo é o Estado mais prejudicado, sendo fortemente sub
representado.
Este tema está analisado em detalhe no ANEXO II, de autoria de Alfredo Maciel da Silveira, maio de 2017, publicado originalmente no site "Gramsci e o Brasil", agora com breves atualizações.
Seguem os dois ANEXOS.
ANEXO I
Nas entrelinhas: Zema exumou
velhos sentimentos preconceituosos e separatistas.
Luiz Carlos Azedo
08/08/2023
Há uma articulação do Sul e do
Sudeste contra o Norte e o Nordeste na reforma tributária, por causa da mudança
da arrecadação de tributos da origem para o destino das mercadorias
O brasileiro é uma invenção dos
mineiros. Seu mito fundador é a Inconfidência, em 1789, ou seja, vem de antes
da Independência, que só viria a ocorrer em 1822, cujos protagonistas se
dividiram em dois partidos: o dos brasileiros e o dos portugueses. O Partido
dos Brasileiros já nasceu dividido entre democratas, liderado por Gonçalves
Ledo, que defendia um regime parlamentarista, e aristocratas, tendo à frente
José Bonifácio, que defendia um Executivo forte, com medo da fragmentação
territorial.
O risco de fragmentação, como
aconteceu em toda a América Latina, era real. Viria a se expressar com muita
força, por exemplo, na Confederação do Equador, em 1824, tendo à frente
Pernambuco. A República seria formada também pelas províncias de Piauí, Ceará,
Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe e Alagoas, mas nenhuma delas aderiu ao
movimento separatista. E, também, na Revolução Farroupilha (1835-1845), com a
formação da República Rio-Grandense e da República Juliana. No primeiro caso,
os líderes foram executados, entre os quais Frei Caneca, arcabuzado; no
segundo, os que negociaram a paz foram anistiados e incorporados ao Exército,
com suas patentes.
Com a dura repressão das
revoltas, entre as quais a Balaiada (MA) e a Cabanagem (PA), manteve-se a
integridade territorial do país e a centralização do poder do imperador Pedro
II, para o qual foram fundamentais o Senado, com sua política de conciliação, e
a magistratura togada, nomeada pelo Imperador. O Exército e a Marinha foram
constituídos nesse processo. A construção da identidade do povo brasileiro,
porém, foi muito mais lenta, para a qual teve papel decisivo a Revolução de
1930.
Nela, houve choque de
concepções: de um lado, os setores da elite que adotaram as teses de Oliveira
Vianna, para quem as estruturas políticas republicanas eram artificiais e o
Brasil meridional, liderado pela elite agrária e os militares, seria a matriz
da formação do novo Estado brasileiro; de outro, setores castilhistas que
tinham identidade com as massas trabalhadoras, liderados por Alberto
Pasqualini. A elite paulista, com concepções liberais, tentou retomar o poder
em 1932 e fracassou, mas cultivou com êxito a idéia de que São Paulo é a
locomotiva do país. O Rio de Janeiro fazia o contraponto, era o “tambor do
Brasil”.
Coube, mais uma vez, aos
mineiros, com Juscelino Kubitschek, o projeto de integração e combate às
desigualdades regionais, cuja âncora geopolítica foi a construção de Brasília,
para onde foi transferido o Distrito Federal. Essa idéia-força viria a ser a
bandeira legitimadora do regime militar, cujo lema era “Segurança e
Desenvolvimento”, uma leitura autocrática do lema positivista da bandeira
nacional: Ordem e Progresso.
Mas a idéia de que somos um só
povo e uma só nação não foi monopolizada pelos militares, apesar do Pra frente
Brasil, da Copa do México, em 1970. Na
letra de Para Todos, Chico Buarque sintetiza as características do núcleo
familiar que resulta do fluxo migratório, juntamente com a miscigenação, e
sedimenta união dos brasileiros: “O meu pai era paulista/ Meu avô,
pernambucano/ O meu bisavô, mineiro/ Meu tataravô, baiano”. O compositor foi um
ferrenho oposicionista ao regime, tendo amargado o exílio por causa de suas
canções.
Federalismo
Entretanto, não devemos
acreditar que as nossas contradições regionais e preconceitos étnicos e sociais
tenham deixado de existir. Em São Paulo, todo nordestino é baiano; no Rio,
paraíba. Todo louro é galego ou gaúcho; no Araguaia, todo forasteiro era
paulista. O governador de Minas, Romeu Zema, com seu sincericídio, exumou
sentimentos negativos em relação ao Nordeste e despertou o ressentimento
ideológico dos que venceram as eleições nos Estados do Sul e do Sudeste, mas
não reelegeram o ex-presidente Jair Bolsonaro, devido à grande votação do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Nordeste. Não devemos subestimar as
implicações que isso terá daqui para a frente.
Há uma articulação de governadores
do Sul e do Sudeste contra os Estados do Norte e Nordeste na reforma
tributária, por causa da mudança da arrecadação dos tributos da origem para o
destino das mercadorias. Essa articulação foi bem-sucedida na Câmara, mas está
inferiorizada no Senado, no qual a federação está representada de forma
igualitária: três senadores para cada estado. Celso Furtado, entre os
intérpretes do Brasil, foi dos mais preocupados com o papel do federalismo.
Advertia que essa bandeira estava condenada a reencarnar ciclicamente, em todos
os momentos críticos, que colocassem em tela o contrato social e a reformulação
do arranjo de poder. A reforma tributária é isso.
Sua grande preocupação era
arquitetar um “federalismo regionalizado cooperativo” como instrumento para impedir
a exclusão do Nordeste e evitar a implosão da nação pela radicalização de suas
disparidades regionais. Com sinal trocado, o histórico unitarismo da esquerda
brasileira, desde os antigos PCB e PTB, dificulta esse federalismo cooperativo.
Mas há uma questão ainda mais
séria. Um dos ingredientes da globalização vem sendo o enfraquecimento da
identidade nacional e a sua fragmentação. O sujeito e a identidade na
modernidade tardia e pós-moderna foram fragmentados; nas redes sociais, isso é
evidente. Historicamente, as identidades étnicas e regionais foram abrigadas
sob o teto do Estado-Nação, numa comunidade estável, com território próprio e
idioma comum, mas isso está mudando no mundo. A nação é uma construção
imaginária, que não pode ser subalternizada por sentimentos culturais e étnicos
regionais. O que o governador Zema fez foi apartar os brasileiros do Sul e do
Sudeste dessa comunidade imaginária. Seríamos dois Brasis, um moderno,
produtivo e autossuficiente; outro atrasado e improdutivo, que precisa ser
carregado nas costas. É aí que mora o perigo.
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(*)Publicado em 08/08/2023 - Correio Brasiliense, blog Luiz Carlos Azedo, Brasília. Azedo é jornalista, e colaborador deste blog "Democracia e Socialismo".
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ANEXO II
A Representação (Des)Proporcional
na Câmara: Como foi agravada pelo "Pacote de Abril" de 1977 e pela
Constituição de 1988
Alfredo Maciel da Silveira(**)
Abril 2017
Há 40 anos no dia 14 de abril
foi decretado pelo regime militar, com base no AI5, a Emenda Constitucional nº8
, que veio a ser chamada de "Pacote de Abril". O governo fechara o
Congresso desde o dia 1º, a pretexto da não aprovação da reforma do judiciário
pretendida pelo regime. Mas no fundo tratou-se da oportunidade de introduzir um
pacote de reformas políticas de modo a frearem o crescimento parlamentar do
partido da oposição, o MDB.[1]
Com a redemocratização do país,
a Constituição de 1988 e legislação subsequente foi praticamente removido o "entulho
autoritário" da legislação do período ditatorial. Mas uma das distorções
institucionais historicamente presentes no sistema parlamentar brasileiro[2],
agravada pelo "Pacote de Abril' de Geisel-Golbery até hoje não foi
revogada, a saber, a super representação na Câmara dos Deputados dos Estados de
menor população mas não apenas estes, e da sub representação de alguns Estados,
destacadamente São Paulo, o mais populoso.
Numa Câmara de representantes
de determinada população, o princípio democrático amplamente aceito prevê que
cada cadeira corresponda sempre a uma mesma fração do eleitorado. E quando esta
Câmara é constituída pela composição de regiões subnacionais, como os Estados
federados, aceita-se que a fração de cadeiras de cada um dos Estados em relação
ao total seja igual à fração das respectivas populações em relação à população
nacional. Ou seja, cada Estado teria uma representação proporcional à sua
população. E a combinação dos dois princípios atenderia aproximativamente à
igualdade política de todos os cidadãos. Aliás é o que dispõem os artigos 14
(sobre os direitos políticos) e 45 e seu §1º (sobre a representação) da
Constituição brasileira[3]
apesar das restrições ali mesmo inscritas sobre limites inferior e superior do
número de representantes por Estado, como se tratará adiante.
Não seriam difíceis de conceber
considerações de natureza social, econômica, técnica, estratégica e de relações
de poder que explicariam desvios institucionalizados daqueles princípios
democráticos formais, levando na prática a distorções, especialmente quanto à
representação proporcional dos Estados federados[4].
Registre-se todavia que num sistema bicameral como o brasileiro, a medida em
que se aprimora a democracia a Câmara de Deputados deveria cada vez mais
representar a população, enquanto caberia ao Senado, lugar da representação dos
Estados, dar conta do equilíbrio federativo.
Com vistas às eleições de 1978,
alem de medidas emblematicamente ditatoriais como a célebre criação do
"senador biônico", o
"Pacote de Abril" limitou a 55 o número de deputados de São Paulo,
criou um piso mínimo de seis deputados para vários Estados menos populosos, elevou
de um para dois os representantes dos Territórios, e ainda criou o Estado de
Mato Grosso do Sul. Na época tudo isto visou aumentar o peso da ARENA em
relação ao MDB. Duas outras emendas constitucionais (1982 e 1985) alteraram
aqueles limites respectivamente para 60, oito e quatro, enquanto o total de
deputados na Câmara subia de 420 a 487 agravando um pouco mais as
desproporções.
Finalmente chegou-se à
Constituição de 1988. O teto para os Estados mais populosos foi elevado para 70
deputados (no caso, apenas São Paulo) e o piso mínimo foi mantido em oito
deputados. Dois territórios, Roraima e Amapá foram elevados a Estados,
beneficiando-se daquele piso mínimo de oito. E foi criado o Estado de
Tocantins, também com oito deputados. Não foi fixado constitucionalmente o
total de deputados da Câmara. Mas o total hoje vigente de 513 deputados repõe
para São Paulo a mesma relação entre seu número de deputados e o total da Câmara
(70/513) vigente pelo "Pacote de Abril"(55/420). A criação, pela Constituição
de 1988, de três novos Estados com populações comparativamente baixíssimas,
beneficiados pelo piso de oito deputados só fez agravar as desproporções, que
de resto se distribuem entre todos os demais, de modo que a subrepresentação de
São Paulo e alguns outros não é explicada apenas pela sobrerepresentação dos
Estados de pequena população beneficiados pelo referido piso.
A Lei Complementar nº 78 de
1993 visou dar cumprimento ao previsto no §1º do art. 45 da Constituição quanto
à atualização periódica do número de cadeiras por Estado em função da dinâmica
populacional. Mas aquela lei nunca foi eficaz na sua função, dentre outras
razões por delegar ao TSE a atribuição dos cálculos pertinentes, criando uma
brecha para a judicialização da política, inclusive tendo levado à arguição,
seguida de confirmação pelo STF, de sua inconstitucionalidade[5].
Somente agora, quase 25 anos depois,
tramita no Congresso uma nova Lei Complementar - PLS 315/2016 - com vistas a
regularizar, parcialmente diga-se, uma situação que já se poderia avaliar como
caótica, onde Estados com população inferior a algum outro possuem mais
cadeiras do que estes últimos[6].
Acaba de ser aprovado neste mês de abril de 2017 pela CCJ do Senado Federal o Parecer
do senador Antônio Anastasia sobre o PLS 315/2016[7]
que deverá seguir ao plenário do Senado e posteriormente à Câmara, onde
espera-se que poderá encontrar resistências face às inevitáveis perdas e ganhos
implicados, inclusive em suas repercussões partidárias[8],
alem das federativas. A regularização seria parcial no sentido de que não pode
mudar os limites constitucionais máximo e mínimo de deputados por Estado,
conforme o art. 45.
Alem de historiar e esclarecer
detalhadamente os impasses jurídicos e políticos que tem delongado a
atualização das bancadas, com manifesto prejuízo da cidadania, o mencionado
Parecer recapitula os princípios que fundamentam o PLS, como reproduzido a
seguir:
A respeito do mérito, vale
lembrar que o projeto em apreço nada mais faz que dar consequência ao disposto
no art. 45, § 1º, da Constituição Federal. Esse dispositivo determina, em
primeiro lugar, que o número total de Deputados, bem como a representação por
Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar; em
segundo lugar, que essa representação será proporcional à população; e,
finalmente, que haverá ajustes no ano anterior às eleições. Ora, o projeto sob
exame reafirma esses três mandamentos e dá a eles a operacionalidade necessária
para sua vigência. É preciso ainda considerar que os comandos que constam do
art. 45, § 1º, decorrem diretamente de outro princípio, estabelecido no caput
do art. 14 do texto constitucional. Diz o art. 14 que 'a soberania popular será
exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual
para todos...'.
E prossegue, criticando a
omissão do Congresso:
Ora, uma vez que a demografia é
essencialmente dinâmica, congelar a representação política na distribuição
adequada para a população brasileira de 1985 e utilizar essa mesma distribuição
nas eleições posteriores, até 2018, implica, claramente, conceder maior valor
ao voto de brasileiros residentes em alguns Estados e menor valor ao voto de
outros brasileiros, residentes em outras unidades da Federação. A omissão
pregressa do Congresso Nacional nessa matéria atenta, portanto, a rigor, contra
os direitos e garantias individuais, consagrados como cláusula pétrea da
Constituição, por força do disposto no seu art. 60, § 4º.
Como o PLS não pode alterar os
limites constitucionais (art. 45 da Constituição) que restringem as cadeiras de
São Paulo e inflam as de seis Estados de baixa população (Sergipe, Rondônia,
Tocantins, Acre, Amapá e Roraima), seriam remanejadas apenas 12 cadeiras,
redistribuídas entre alguns poucos Estados, como se depreende do descrito no Parecer:
Cumpre assinalar que a
representação de Deputados Federais resultante da aplicação dos mandamentos
constitucionais difere em muitos pontos da vigente. Caso o projeto em exame
venha a ser aprovado, treze unidades da Federação manteriam o número de Deputados
Federais que elegem hoje: São Paulo, Maranhão, Goiás, Espírito Santo, Mato
Grosso, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Sergipe, Rondônia, Tocantins,
Acre, Amapá e Roraima. Sete Estados, por sua vez, perderiam Deputados. O Rio de
Janeiro perderia três cadeiras; Rio Grande do Sul, Paraíba e Piauí, duas
cadeiras cada; enquanto Paraná, Pernambuco e Alagoas ficariam com um Deputado a
menos. Sete outros Estados aumentariam sua bancada. O Pará passaria a ter
quatro Deputados a mais; Amazonas e Minas Gerais ganhariam duas cadeiras cada;
e o ganho de Bahia, Ceará, Santa Catarina e Rio Grande do Norte seria de um
Deputado.
Menos mal que a tramitação do
PLS 315/2016 refresca a lembrança de uma questão de raízes históricas,
praticamente circunscrita às atenções da pesquisa acadêmica ou de consultorias
especializadas.
Mas a questão principal ainda
permanecerá não resolvida, pois dependeria de alteração do art. 45 da
Constituição e das restrições quantitativas ali estabelecidas. Para fins
meramente ilustrativos fez-se o quadro a seguir, onde se compara a atual
representação dos Estados com uma representação simulada, com base num rateio
estritamente proporcional das 513 cadeiras da Câmara segundo a população
estimada de 2015 (IBGE).
Observação: os valores inteiros (arredondados)
da coluna das cadeiras simuladas somam 512, enquanto os mesmos valores com
decimais fecham o total de 513. Para a análise qualitativa das tendências não
se viu necessidade de correção.
Na última coluna à direita é
mostrada a diferença de cadeiras (atual menos simulada). A destacar as
aberrações do "déficit" de 41 cadeiras de São Paulo e do
"superavit" de Estados como Roraima, Acre, Amapá e mais outros.
Note-se que o déficit do Estado do Pará (quatro) estaria sendo resolvido proximamente
caso avance a aprovação do PLS 315. As perdas e ganhos de Estados como Rio de
Janeiro, R.G. do Sul, Piauí, Amazonas e outros acompanham bem de perto o
previsto no PLS 315. O crescimento demográfico de Goiás cancelaria o privilégio
então lhe concedido quando da criação de Tocantins. De um modo geral, aquele
remanejamento de 12 cadeiras previsto pelo PLS 315 vai na mesma direção do
apontado nesta tabulação meramente indicativa, sem compromisso estrito com a
metodologia adotada pelo Senado Federal que obviamente se adapta às restrições
constitucionais atuais. Portanto recorde-se que tal remanejamento não toca no
problema de São Paulo e dos beneficiários do piso de oito cadeiras. Ao mesmo
tempo, é fácil ver pela Tabela acima (última coluna à direita) que uma solução
completa das distorções envolveria grandes perdas para os beneficiários do piso
e também pequenas perdas para todos os demais superavitários atuais. Haveria
margem para negociações democráticas e republicanas?[9]
Soluções mitigadoras tem sido
pensadas, como por exemplo[10]
passar o total das cadeiras de 513 para 543, sendo todas as 30 adicionais para
São Paulo, mantidas as dos demais Estados.
Sempre nos foi intrigante o
fato de a Assembleia Nacional Constituinte de 1988 ter deixado passar, e
agravado, essa excrescência da representação desproporcional entre os Estados,
na Câmara de Deputados herdada da ditadura com seu "Pacote de Abril"
de 1977. Por que tal acontecera? Por que os deputados constituintes deixaram o
problema intocado?
Pode-se conjecturar. Eram
vésperas das eleições presidenciais de 1989. Cinco dos mais destacados
presidenciáveis eram deputados constituintes paulistas: Ulisses, Covas, Lula,
Maluf e Afif. Itamar representava Minas e veio a ser vice de Collor. Fora da
Assembleia mas com grande influência estavam Aureliano e Brizola. Por que iria
algum deles cutucar o vespeiro da representação desproporcional?
Aliás é sabido que também
influenciaram na prevalência do presidencialismo (aqui aliados a Sarney) sobre a
proposta parlamentarista embutida no texto base da Constituição.
Além deles, claro que as
desproporções beneficiavam e beneficiam até hoje o coronelismo e o atraso que
emperram o Congresso Nacional...
Portanto todos teriam
"pegado carona" no "trabalho sujo" de Geisel-Golbery...
Diga-se que as recentes
eleições de 2022 mantiveram rigorosamente a mesma distribuição de cadeiras das
eleições anteriores. No caso emblemático de São Paulo, dado o total de 513
cadeiras da Câmara, este tem 70 cadeiras, quando deveria ter 111(!), uma
diferença portanto de 41 cadeiras para menos!
De qualquer forma, o problema
de fazer cumprir os fundamentais princípios constitucionais da representação
democrática e da cidadania ainda aguardará por soluções possivelmente parciais
e necessariamente negociadas.
______________________
[2] Tema amplamente pesquisado há décadas nos âmbitos
acadêmico, de consultoria parlamentar e de órgãos governamentais de pesquisa. A
principal referência tomada aqui é o trabalho de Jairo M. Nicolau, "As
Distorções na Representação dos Estados na Câmara dos Deputados
Brasileira" 1997, disponível
em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581997000300006>.
[3] Textualmente: "Art. 45. A Câmara dos Deputados
compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em
cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.(...)§ 1º O número total
de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será
estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se
aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas
unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados".
_________________________________________
(**) Publicado originalmente no site "Gramsci e o Brasil", https://www.gramsci.org/?page=visualizar&id=2128, maio/2017. Alfredo Maciel da Silveira, MSc. Eng de Produção e Doutor em Economia, é um dos editores deste blog "Democracia e Socialismo".