A direita pode ganhar

Sergio Augusto de Moraes*

Alfredo Maciel da Silveira*

Novembro-2021

O crescimento do populismo de extrema direita ao redor do mundo, inclusive na América Latina foi analisado, dentre outros, por Jean Ziegler numa entrevista de 2019 (reproduzida neste blog, “Fadiga do Capitalismo”). Ziegler fundamenta-se na fase atual do movimento do capital, que solapou a regulação estatal do equilíbrio social, inculcou a ideologia da soberania do “mercado”, do individualismo atávico exacerbado, e a descrença nas conquistas históricas da democracia social e política.

Por conseqüência, grandes parcelas das populações, deserdadas e desalentadas, são levadas pelo discurso “anti-sistema” do populismo extremista com apelo a soluções simplistas e autoritárias para os complexos problemas gerados hoje pela sociedade capitalista.

Com a aproximação do ano eleitoral de 2022, a grande imprensa no Brasil dá sinais de preocupação com os indícios de reprodução da polarização havida em 2018. Seus articulistas, embasados em especialistas das áreas psico-social, política, e de comunicação, na nova sociedade em rede e no ambiente das novas tecnologias digitais, então debruçam-se sobre a instabilidade e incertezas de nosso futuro, sem ilusões quanto à miragem retratada nas pesquisas eleitorais do momento.

Da leitura destes analistas, dos quais destacamos alguns (ver ANEXO) podemos concluir:

  1. Os novos líderes populistas não querem promover qualquer convergência ao centro político nem negociarem pontos em comum dentre os interesses de seus eleitores, mas sim excitarem paixões no maior número possível de pequenos grupos; no caso brasileiro, até setembro último, visando um golpe de estado fascista; com o fracasso deste, apoiando-se agora no “Centrão”, buscando os mesmos objetivos por meio da corrupção e do “toma-lá-dá-cá’;
  2. Fazem ataques provocativos ao “establishment” das instituições, a seus políticos tradicionais, seus juízes, à grande imprensa, para justamente despertar nestes grupos a cólera, e assim validarem sua própria imagem de “anti-sistema”;
  3. A neurociência tem confirmado que os eleitores votam mais pela emoção do que pela razão;
  4. Do arsenal de falsidades inculcadas ao estilo fascistóide na massa popular desalentada, propaga-se que as instituições democráticas, principalmente o Judiciário, “não permitem que o líder governe”. Assim se joga para aquelas a responsabilidade pelos crimes, erros e desacertos do governo federal e se manobra visando a gradual implantação do autoritarismo, mesmo que seja pela via da reeleição do Presidente da República; Bolsonaro é o mais óbvio seguidor desta cartilha, já implementada em vários outros países;
  5. Plataformas de mídias digitais, de vídeos, troca de mensagens, etc, tem suporte em algoritmos de Inteligência Artificial-IA, que exibem ao interessado em conteúdo político resultados comprovadamente com viés ideológico de direita;
  6. Já está em franco andamento a articulação internacional do extremismo de direita, embasado no uso político de novos meios digitais, nas sombras da atuação de Steve Bannon, sua referência mais notória;
  7. A liberdade de expressão, que sob as novas tecnologias deveria fazer fluir e fertilizar o debate político, na verdade o travou, pela segmentação de grupos radicais, assim ameaçando a própria democracia.

Quais conclusões para o nosso contexto imediato, ainda que provisórias, poderíamos adiantar diante desse quadro resumido?

Se compararmos com nossa publicação “Tática e manobra” de 2019, apresentam-se duas:

  1. Nenhuma surpresa quanto às manobras de Bolsonaro e seu grupo: seus ataques às instituições, sua troca de favores com o “Centrão”, e as migalhas a um povo desempregado e faminto em ano de eleição;
  2. Ao mesmo tempo, ressalvados os acordos eleitorais de sempre, ainda não estão a vista aqueles passos da esquerda em direção a uma aliança estratégica, programática, transparente, com o centro político, que o país reclama desde a Constituição de 1988.

Seus líderes não se dão conta de que nos EEUU a derrota de Trump só foi possível com a aliança centro-esquerda, sob hegemonia do centro democrático.

Bom lembrar que a direita ganhou vida própria, “saiu do armário” no Brasil, muito além das “motociatas” e “Zé Trovões”. Em meio a nossa crise social e de valores e a persistir a atitude da esquerda, esta direita poderá ganhar.

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(*) Editores deste Blog "Democracia e Socialismo"

A seguir

ANEXO:

“Vísceras expostas” - Dorrit Harazim

“O algoritmo é de direita e dá para provar” - Pedro Doria

“Cólera e algoritmos” - Merval Pereira.

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Vísceras expostas

Por Dorrit Harazim

O Globo, 24/10/2021

O simples fato de a CPI da Covid ter existido e resistido, apesar da tropa de choque bolsonarista e da contrariedade do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já foi notável. Duplamente admirável foi o empenho da maioria de seus integrantes em trabalhar como gente grande, com decência e benefício claro para a sociedade. Conseguiram dar algum compasso moral a um Brasil que, de resto, está à deriva e expuseram as vísceras de Jair Bolsonaro, cujo método de governo se assenta num amplo leque de tipificações penais.

Nada a festejar, porém. Não pode haver conforto para povo algum que tem na chefia da nação um presidente indiciado por crime contra a humanidade — no caso, contra sua própria gente. É igualmente trevoso para a história de qualquer nação ver seu presidente indiciado por mais outros oito crimes. É tudo de um horror abissal, por ser factual. E por quase ter ficado enterrado nos porões do governo, não fosse o dever cumprido pela maioria na CPI.

Cabe agora ao Ministério Público e à Justiça responder aos pedidos de indiciamento. E dar uma resposta adulta para a gargalhada com que o filho Zero Um do presidente, senador Flávio Bolsonaro, pretendeu desdenhar o documento histórico. O aspecto mais chulé da vida nacional anda esquisito — num curto espaço de tempo somos informados de que o presidente chora escondido no banheiro e de que o Marcola do PCC, líder da maior facção criminosa do país, está deprimido na prisão.

Mas são problemas reais que deixam em torvelinho 213 milhões de brasileiros. A fome de comer pelanca, o caos social, a extrema direita sem freios, os solavancos na economia, a emergência ambiental, a incerteza quanto a liberdades, a degradação geral da vida em sociedade — tudo isso entrou em marcha acelerada sob o comando errático de um só homem, Jair Bolsonaro. Que ninguém se engane — armados de fé e, se preciso, munidos de armas, seus seguidores mais extremados nunca lhe faltarão no pacto de morte contra o Estado Democrático de Direito.

Talvez o presidente e o relator da CPI da Covid, senadores Omar Aziz e Renan Calheiros, já tenham se arrependido de ter votado pela recondução de Augusto Aras ao cargo de procurador-geral da República. Nos Estados Unidos, o então presidente Donald Trump sobreviveu a dois processos de impeachment porque os senadores do Partido Republicano cerraram fileiras. Acreditaram estar fazendo política. Na realidade, fizeram história trevosa ao deixar o caminho aberto para Trump e sua vertente nacionalista voltarem ao poder — seja na reconquista da maioria na Câmara e no Senado em 2022, seja com Trump de volta à Casa Branca em 2024.

Não se trata de alarmismo. Nesta semana, Steve Bannon, o já notório cérebro de uma internacional fascistoide que inclui o Brasil, desafiou abertamente o Poder Legislativo dos EUA. Simplesmente recusou-se a depor perante a comissão de inquérito que investiga sua atuação na invasão do Capitólio de 6 de janeiro último, quando milicianos trumpistas pretendiam impedir a certificação da vitória eleitoral de Joe Biden em 2020. Parece pouco? Para padrões da bicentenária democracia americana, não é. Ao deboche público das instituições, arrostado por Bannon, vem somar-se uma acelerada limitação do direito ao voto em vários estados decisivos do país. E esse desmonte é obra de governadores mais leais a Trump que àquilo que os Estados Unidos de melhor deram ao mundo: o voto universal e livre.

Por toda parte, pipocam candidatos a clones de Trump, que Steve Bannon vai arrebanhando e formatando em rede. Alguns ainda são meros aspirantes a um poder menor, como a figura midiática do argentino Javier Milei, candidato a uma vaga no Congresso nas eleições do próximo mês. Admirador declarado de Trump e Bolsonaro, tem fala carismática e propostas de soluções simples para problemas complexos, como manda o manual populista. Outros visam mais alto logo de cara. Na França está em curso a ascensão meteórica e inesperada do polemista Éric Zemmour, apresentador do canal conservador CNews , que parece querer disputar a corrida presidencial. Situado à extrema direita de Marine Le Pen, Zemmour também é admirador declarado de Trump, alerta contra o “declínio da França”, ataca a imigração, o islamismo e o resto da cartilha democrática.

Sem falar no governo a cada dia mais fechado da Polônia, primeiro a desdenhar de peito aberto as convenções democráticas da União Europeia. Na sexta-feira, a ainda chanceler da Alemanha, Angela Merkel, recebeu uma ovação sincera dessa mesma União Europeia. Foi recebida pelo rei Philippe da Bélgica (a sede da EU é em Bruxelas), homenageada com peças de Mozart e Beethoven em concerto de gala e saudada com frases como “a senhora foi um compasso”, “as próximas cúpulas sem Angela Merkel serão como Paris sem a Torre Eiffel”. No caso, não eram exagero — por 16 anos ela foi âncora. Sem ela, a Europa e o mundo com Trumps e Bolsonaros se tornarão ainda mais sombrios.

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O algoritmo é de direita e dá para provar

Por Pedro Doria

O Globo / O Estado de S. Paulo, 29/10/2021

A ordem de prisão do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos e a demissão do central Maurício Souza após comentários homofóbicos fizeram explodir, nas redes, o debate sobre os limites da liberdade de expressão. Não custa lembrar: os casos são muito distintos. Allan faz parte de uma engrenagem de desinformação que ameaça a democracia. E a pergunta por responder é ligada a ele: quanto uma democracia deve permitir livre expressão para aqueles que usam o direito para dar cabo da própria democracia? É difícil criar uma regra geral. Afinal, como se mede o que ameaça e o que não ameaça uma democracia? Na ausência de filósofos que se debrucem hoje sobre esse debate, ao menos temos informação nova para digerir. Informação que comprova a existência do problema.

O Twitter tornou público na última sexta um estudo interno realizado em sete países: seu algoritmo distribui mais conteúdo de direita que de esquerda. Tuítes de veículos de imprensa e políticos ligados à direita foram muito mais amplificados que os do outro lado. Mesmo quando governantes são tirados da amostra, o viés do algoritmo permanece lá. Isso não quer dizer que tudo seja desinformação, mas comprova que o sistema tem viés ideológico. É o próprio Twitter que o reconhece.

Não é só lá. A antropóloga Katie Paul, que lidera o Tech Transparency Project, think tank dedicado a compreender como o digital impacta nossas vidas, publicou outro estudo esta semana. Seu time avaliou que vídeos o algoritmo do YouTube recomenda aos usuários em busca de conteúdo político. Descobriu que, nos EUA, os públicos de direita e esquerda têm experiências muito distintas. Quem é de direita fica preso na bolha, não é exposto a pontos de vista distintos pelo algoritmo. Com quem é de esquerda, isso não ocorre — a variedade da exposição é muito maior.

Isso pode ajudar a explicar por que, nos EUA, o canal trumpista Fox News é de longe o mais recomendado na categoria notícias da plataforma de vídeos. Pode dar pistas, também, sobre por que a maior radicalização que vemos, nas redes, é de direita, e não de esquerda. Ou por que a desinformação parece ser mais eficiente para políticos de extrema direita que para os de extrema esquerda.

Mas essas são duas peças de um quebra-cabeças maior, ligadas a apenas duas dentre as plataformas gigantes que decidem o que apresentar a seus usuários utilizando algoritmos de aprendizado de máquina. Estudos similares sugerem que o mesmo padrão se repete.

Um aspecto pouco compreendido desse tipo de inteligência artificial é que não dá para seguir de trás para frente o “raciocínio” feito pelo computador. Os engenheiros do Twitter sabem o resultado: distribuir mais o conteúdo da direita que o da esquerda. Mas não sabem por que o programa leva a esse resultado.

De onde vêm os efeitos colaterais? Ideias de direita viralizam mais que as de esquerda? Ou há um viés escondido no algoritmo que provoca isto?

O efeito prático é que um pedaço da sociedade foi radicalizado. Não só no Brasil. A liberdade de expressão, que inclui a de exprimir ideias profundamente impopulares, tem uma razão de ser. Permitir que democracias questionem tudo, permitir a sociedades que revejam seus valores. Só que a máquina de desinformação não apenas desinforma. Ela também isola do debate público, da exposição a pontos de vista diferentes, um pedaço grande dos eleitores. O mecanismo que essa liberdade deveria promover travou. A democracia está quebrada.

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Cólera e algoritmos

Por Merval Pereira

O Globo, 28/10/2021

A revelação de que o Facebook estimulava o compartilhamento de notícias cujos conteúdos geravam reações mais emocionais e provocativas nos usuários, por meio dos emojis que representavam as sensações pessoais ao lê-las, especialmente os que mostravam uma cara avermelhada de raiva, não apenas confirmou que durante anos Mark Zuckerberg e sua equipe manipulavam os usuários da rede social, como abriram um caminho vicioso para as campanhas políticas, até hoje explorado.

Os documentos vazados por uma ex-funcionária mostram que, a partir de 2017, cada reação emocional recebia de quatro a cinco pontos em relação à curtida, mas a raivosa era a que tinha maior pontuação. O Facebook compreendeu que a reação emocional tinha maior potencial de engajamento, fazendo o usuário passar mais tempo na rede social.

O sociólogo Manuel Castells, um dos maiores especialistas em redes sociais, já havia detectado, anos atrás, que o medo é a emoção primária fundamental, a mais importante de nossa vida a influenciar as informações que recebemos. As descobertas mais recentes da neurociência já definiram que o eleitor vota mais com a emoção do que com a razão, e agora o politólogo Giuliano da Empoli, que lidera o think tank Volta, de Milão, e é professor da Sciences Po, de Paris, em artigo recente no Le Monde sobre o candidato de extrema-direita Éric Zemmour, adverte que o extremismo não é um instrumento para atingir seu limite, mas sim um estimulante que pode levá-lo mais longe na política francesa.

Os novos líderes populistas, diz Giuliano da Empoli, não têm como objetivo unir eleitores em torno de pequenos pontos comuns, mas excitar as paixões do maior número de pequenos grupos. Os que consideram Zemmour “muito radical” ou “muito divisivo” para aspirar a um segundo turno, ou mesmo ao Palácio do Eliseu, não se dão conta, segundo ele, de que o mundo mudou com as novas plataformas digitais de informação, que dão mais destaque ao impacto imediato da notícia, sem se importar com sua veracidade.

Para Giuliano da Empoli, já não se trata mais de encontrar um denominador comum no eleitorado, pois, a fim de alcançar uma maioria, eles não buscam a convergência ao centro, mas inflamar os extremos, porque sabem que, em determinados momentos históricos, as minorias intolerantes prevalecem. Cada vez que Zammour, ou qualquer outro líder extremista como nosso Bolsonaro, provoca um escândalo com uma afirmação controvertida, quer seja a negação de um fato histórico ou uma insinuação contra as vacinas, galvaniza seu núcleo duro de apoiadores e envia uma mensagem aos outros extremistas.

Na análise de Giuliano da Empoli, mesmo sem querer, os oposicionistas e a grande mídia ajudam nesse processo. A ênfase com que criticam as provocações amplia a repercussão e acabam por normalizá-las. A reação indignada das elites confirma, por outro lado, a característica antissistema desse político. Se tudo o que diz provoca a cólera das elites, então tem razão.

A análise do politólogo Giuliano da Empoli sobre a onda extremista de direita na França e em países da Europa pode ser estendida ao que acontece aqui. É sabido que o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump é não apenas o pioneiro das estratégias digitais numa campanha eleitoral distorcida, como que a direita internacional tem tido um comportamento homogêneo no uso político dos novos meios digitais, seguindo orientações do estrategista Steven Bannon.

Quando o presidente Bolsonaro divulga uma barbaridade, como que a vacinação contra a Covid-19 aumenta a possibilidade de contrair Aids, ele está simplesmente criando uma controvérsia para estimular seus seguidores e provocar o establishment. Segundo Da Empoli, a cólera e os algoritmos são uma mistura explosiva na política de hoje. Se esse comportamento se confirmar, um candidato moderado da terceira via, contra Lula e Bolsonaro, poderá ter dificuldade para se impor, da mesma maneira que aconteceu em 2018.

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Um comentário:

  1. Sergio Gonzaga de Oliveira16 de novembro de 2021 às 16:58

    Muito bom artigo e seus anexos. Dão uma boa ideia do jogo pesado que se aproxima.

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